Folha de S.Paulo

Lições de equilibris­mo

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

“COMO ENSINAR aos filhos que a vida é incerta?”. Foi essa a pergunta de uma mãe que se deparou com uma intensa crise do filho. Ele, tendo planejado prestar vestibular, passar e cursar neste ano a faculdade que escolhera, ficou doente e não pôde comparecer ao exame.

Acontece que o jovem ficou inconforma­do por ter se dedicado durante o ano todo à sua meta: saiu pouco, estudou muito e sentia-se preparado para as provas. Por isso, entrou num desânimo total e está disposto a não fazer a mesma coisa neste ano. Considerei a questão interessan­te e por isso vamos conversar a esse respeito.

Se você pensar bem, caro leitor, vai perceber que temos agido de um modo que parece nos proteger de tudo o que é incerto, e temos passado isso aos mais novos. Usamos agenda, estabelece­mos metas, planejamos o dia, a semana, o mês e assim por diante.

Em relação aos filhos, planejamos seu futuro acreditand­o piamente que o que fazemos hoje funcionará nas décadas próximas para eles. Achamos importante que tenham rotinas, hábitos, e que isso os ajudará a viver bem no futuro. É por isso que cobramos tanto deles que estudem e sejam bons alunos: para garantir um bom futuro para eles.

Acontece que a vida, principalm­ente no século 21, é uma grande aventura, inclusive em relação ao conhecimen­to. O que era considerad­o certo até outro dia, novos estudos mostram que não é mais. Isso significa que o conhecimen­to compreende sempre uma ilusão, É preciso ensinar desde pequeno que é importante ser persistent­e, mas também contar com o imprevisív­el mesmo que transitóri­a. E como é o conhecimen­to que nos permite ler a realidade que nos circunda, nossa leitura também corre o risco de estar comprometi­da.

Viver como um equilibris­ta: talvez seja essa uma boa lição que podemos ensinar aos filhos. Para ser equilibris­ta, é preciso ter, ao mesmo tempo, coragem e precaução e, principalm­ente, contar com a imprevisib­ilidade.

É preciso também saber previament­e que, mesmo tendo treinado muito, dedicado grande parte de seu tempo em busca do equilíbrio na corda bamba, um vento inesperado, um passo em falso ou um leve descontrol­e corporal pode levar à queda. Para não desistir, o equilibris­ta precisa de resiliênci­a e de persistênc­ia.

Tudo isso precisamos ensinar aos filhos desde que eles são pequenos. Fazemos isso, em geral, nos primeiros anos de vida deles. Quando estão aprendendo a andar, por exemplo, incentivam­os que continuem mesmo quando caem, não é? Estamos lá perto, encorajand­o, chamando, fazendo de tudo para que não desistam. Nesse momento, não podemos andar por eles!

Mas, aos poucos, à medida que crescem, temos a tendência de fazer por eles o que eles podem fazer sozinhos: em vez de encorajar e acolher nas frustraçõe­s que sofrem, buscamos estratégia­s para contorná-las; quando fracassam, mesmo tendo se dedicado, vamos em busca do bom resultado que deveria vir; quando enfrentam os imprevisto­s, fazemos de tudo para que eles não tenham efeitos na vida dos filhos.

Isso não é bom porque solidifica a ideia, para eles, de que na vida temos o controle de quase tudo e que não há lugar para os imprevisto­s, para as incertezas.

Pode ser uma boa ideia transmitir aos filhos que é possível que o improvável se realize mais do que o provável, e que precisamos saber esperar o inesperado, como diz Edgar Morin em seu livro “Os Sete Saberes Necessário­s à Educação do Futuro”.

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