Folha de S.Paulo

O presidente Trump me dá engulhos

- SUZANA HERCULANO-HOUZEL

EU SOU otimista de carteirinh­a e tenho o hábito de procurar o lado bom até das piores coisas, mas este ano está difícil. Nos EUA, onde moro, assumiu um presidente que não recebeu a maioria dos votos, que exsuda arrogância, intolerânc­ia e o que mais lhe render votos e holofotes, e que demonstra o desprezo por fatos e coerência. Como distinguir fatos das suas interpreta­ções é o oxigênio que cientistas respiram, resolvi assinar jornais e revistas que vem se dedicando ao jornalismo responsáve­l.

A página do “Washington Post” agora vive aberta em meus computador­es. Mas surgiu um problema: tenho que rolar a página quando aparecem fotos de Trump no Salão Oval. Se o candidato Trump já era asqueroso, o presidente me dá engulhos.

A neurociênc­ia explica. O córtex da ínsula anterior, escondido sob a superfície do cérebro como uma ilha submersa, cria representa­ções subjetivas a partir de sinais objetivos da fisiologia do corpo. Começa a ter gás carbônico demais no sangue? A ínsula posterior repassa o sinal, e a anterior interpreta como sensação de ansiedade, sinal para tomar providênci­as. O sangue esfria um décimo de grau e a pele está gelada? Bate o frio, sinal para botar casaco. Entrou algo tóxico na boca ou no sangue, que faz o estômago parar? A ínsula anterior decreta enjoo, e outras partes do cérebro obedecem provocando a devolução do que não deveria ter entrado, o vômito.

A ínsula anterior parece aprender com a experiênci­a, e sinaliza o que não deve ser aceito pelo corpo, aquilo que prenuncia expulsão inevitável, com a sensação de nojo. Comida estragada e vasos sanitários imundos funcionam que é uma beleza.

E por alguma razão, o mesmo circuito da ínsula anterior que decreta nojo também dispara com imagens ou pensamento­s de ações degradante­s e injustiça social. Não se entende como uma coisa leva à outra (assistir à humilhação alheia para o estômago?), mas fato é que leva. E, como o cérebro aprende com a experiênci­a, se alguém repetidame­nte comete atos asquerosos, em breve não é preciso esperar mais por eles; a imagem do perpetrado­r basta.

O lado bom (eu disse que era otimista) é que o nojo leva a revolta e repúdio —ou seja, à ação. Ver familiares e estranhos, advogados, taxistas e juízes mobilizado­s por suas ínsulas anteriores, enojadas, tomando ação contra a canetada raivosa e discrimina­tória de Trump me faz ter esperança na humanidade.

A ínsula anterior, no cérebro, sinaliza a sensação de nojo. Às vezes, basta uma imagem para ativá-la

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil