Folha de S.Paulo

A bolha de Trump

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SÃO PAULO - A guerra de Donald Trump contra a mídia tem contornos estratégic­os sofisticad­os, muito mais do que as truculenta­s falas do presidente fazem parecer. Nova prova disso foi a indicação de um juiz para a Suprema Corte. Chamou a atenção o caráter de reality show do evento, com dois finalistas levados à Casa Branca para manter o suspense.

Só que o engenho foi bem maior. Trump divulgou o nome do escolhido em um Facebook Live, uma transmissã­o ao vivo dentro da rede social. Não é que ele programou maneiras de divulgar a decisão —o Facebook Live era o evento oficial em si.

O anúncio tirou do centro do noticiário as novas regras de imigração e foi marcado para invadir o horário nobre da TV. Na rede social, o vídeo aparecia acompanhad­o de uma sequência de reações que faria a seção de cartas do “Pravda”, o jornal do Partido Comunista soviético, parecer a de um veículo de oposição.

Só saltavam elogios fortes. “Continue trabalhand­o duro, mas por fa- vor cuide de sua saúde”; “vamos tirar do governo e da mídia os simpatizan­tes do Estado Islâmico”; “nós amamos você, senhor presidente; está fazendo um ótimo trabalho, a despeito do que a esquerda maligna tenta fazer para detê-lo”.

A Casa Branca tem cometido trapalhada­s tecnológic­as, como tuitar uma senha e manter a conta do presidente no Twitter em um email comercial. Mas não se engane: Trump é um mestre das redes sociais.

Apesar de se beneficiar das plataforma­s tecnológic­as desde a campanha, o presidente não é um queridinho do Vale do Silício. Mark Zuckerberg, do Facebook, acaba de quebrar o silêncio sobre o governo para questionar as regras de imigração. Eric Schmidt, do Google, afirmou que o republican­o faz “maldades”.

Os jornalista­s, por sua vez, discutem como cobrir quem lhes é tão agressivo. Enquanto isso, Trump infla sua bolha para transforma­r a imprensa em exilada na democracia. roberto.dias@grupofolha.com.br

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