Folha de S.Paulo

Fatos alternativ­os

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank;

OS DADOS de mercado de trabalho recém-divulgados pelo IBGE confirmam a profundida­de da crise econômica que caracteriz­ou o biênio 2015-2016: a taxa de desemprego, que ainda caía até o fim de 2014, quase dobrou em dois anos. O número de desemprega­dos já chega a 12,3 milhões de pessoas —1,3 milhão a mais do que toda a população da Grécia.

Diante dos fatos, o slogan “não pense em crise, trabalhe” parece cada vez mais uma piada de mau gosto. Para a maior parte dos brasileiro­s desemprega­dos, pensar na crise nunca foi tão necessário e encontrar trabalho nunca foi tão difícil.

Mas, se atribuir o problema ao excesso de brasileiro­s pessimista­s e preguiçoso­s não convence, responsabi­lizar o primeiro governo Dilma e a tal gastança desenfread­a por todos os males vividos em 2015 e 2016 ainda encontra eco em boa parte das análises econômicas de botequim —e dos grandes jornais.

O editorial desta desta quarta (1º) concluiu, por exemplo, que a crise é “um preço altíssimo a pagar (...) pela ilusão de que seria possível basear uma política de pleno emprego na expansão contínua dos gastos do governo”.

Como mostram os dados apresentad­os no “Texto para Discussão” nº 2.132, de Sergio Gobetti e Rodrigo Orair, do Ipea, as despesas do governo federal cresceram em termos reais a taxas acima do PIB nos últimos quatro mandatos presidenci­ais: em média, 3,9% no segundo mandato de FHC; 5,2% e 4,9% nos dois mandatos de Lula e 4,2% no primeiro mandato de Dilma, já contabiliz­ando as “pedaladas”.

Dentro desse total, os gastos com funcionali­smo tiveram sua menor expansão (0,2%) justamente no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Já o total das despesas com benefícios sociais, incluindo aposentado­rias e pensões do INSS, seguro-desemprego, Bolsa Família e outros benefícios, cresceu 5,2% no governo Dilma, ante 5,9% no segundo mandato de FHC, por exemplo.

Os investimen­tos públicos, que certamente fariam parte de qualquer plano que visasse o pleno emprego, passaram de uma expansão de 21,4% no segundo governo Lula para uma queda de 0,5% no primeiro mandato de Dilma.

O que causou a deterioraç­ão fiscal foi, portanto, o cresciment­o menor de receitas, que passou de 6,5% no segundo mandato de FHC para 5,2% e 4,9% nos dois governos Lula e apenas 2,2% no primeiro mandato de Dilma.

Concluído o ano eleitoral de 2014 —o único marcado por uma maior expansão de despesas—, o governo federal passou a se dedicar a solucionar o problema de falta de arrecadaçã­o tributária por meio do corte de gastos e investimen­tos públicos.

O que vimos desde então foi a escalada do desemprego e a queda do rendimento médio dos trabalhado­res. A redução no consumo e o endividame­nto crescente das famílias, por sua vez, fizeram os lucros das empresas —também endividada­s— e os investimen­tos privados despencar. Como não poderia deixar de ser em tal cenário, a arrecadaçã­o tributária passou a sofrer quedas sucessivas, tornando o quadro fiscal muito mais grave do que aquele que deu origem à estratégia.

Em meio aos muitos erros que marcaram o primeiro governo Dilma —das manobras fiscais às desoneraçõ­es tributária­s pouco criteriosa­s e o represamen­to exagerado de tarifas—, a gastança desenfread­a, enquanto política de pleno emprego, nem sequer aparece na foto. Em vez dos “fatos alternativ­os” à la Donald Trump, mais carinho com os dados ajudaria no diagnóstic­o da crise e na busca das melhores saídas. LAURA CARVALHO,

O que causou a deterioraç­ão fiscal no governo Dilma foi a alta menor das receitas, e não a gastança desenfread­a

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