Método lê mente de pessoas ‘encarceradas’
Pacientes conscientes, mas sem capacidade de se mover ou interagir com o mundo exterior, podem se beneficiar
Para neurocirurgião, paradigma da medicina foi quebrado e decisões a respeito de eutanásia podem ser revistas
Cinco cientistas da Alemanha, EUA, China e Suíça se uniram para tentar reverter um estado neurológico de incapacidade de comunicação com o mundo exterior e obtiveram um avanço que pode ajudar milhões de pessoas em todo o mundo.
A condição é a síndrome do encarceramento. Há tempos se tenta retardar seu aparecimento ou contornar a aparentemente irreversível perda de capacidade de interação com o mundo exterior. Como saber se a pessoa está feliz ou com dor? Às vezes a intuição dos cuidadores e familiares não basta.
Esse é um desfecho provável da doença neurológica conhecida Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), que atinge, por exemplo, o físico Stephen Hawking. Os movimentos são progressivamente perdidos e os músculos atrofiam.
A pessoa precisa ser entubada e a única maneira de se comunicar com o mundo exterior é mexendo o olho. Em algum momento, até isso é perdido. O mesmo pode acontecer em alguns AVCs, traumas e envenenamentos.
Para contornar a síndrome do encarceramento é preciso entender o que o cérebro diz, mesmo que a informação não venha na forma de sons e gestos. A ideia é que o método funcione como uma espécie de leitura de pensamento a partir de uma touca e de um computador. As respostas possíveis são “sim” e “não”.
Assim,o paciente pode dizer se está confortável, se quer se sentar, se gostaria de ver alguém em especial.
Importante considerar que, apesar do dano neurológico, essas pessoas têm toda a capacidade sensorial. Entre os problemas dos acamados estão escaras, provocadas pela pressão dos ossos na pele, pneumonia, trombose e embolia pulmonar.
“Essas pessoas morrem geralmente de negligência ou de infecção. Com o cuidado adequado, porém, podem morrer das causas que matam qualquer outra pessoa”, Causas A esclerose lateral amiotrófica (ELA), alguns tipos de envenenamento e até traumas podem causar a chegada em um estágio avançado de paralisia Como funciona? > Os cientistas fazem oralmente perguntas do tipo “sim ou não”, para calibrar a medição. Os pacientes precisam pensar “sim” ou “não” para respondê-las > Se o acerto for maior que 70%, as respostas são validadas e podem ser feitas perguntas mais interessantes, como se a pessoa está feliz ou se ela tem dor lombar diz à Folha Niels Birbaumer, coordenador do estudo.
Foram recrutados quatro pacientes na Alemanha, todos com ELA e vivendo em casa. Três tinham idade mais avançada (61, 68 e 76 anos) e uma apenas 24 —ela não conseguiu fazer todos os testes. A família e os pesquisadores especulam que isso ocorreu devido ao trauma psicológico e à rápida evolução da doença (do diagnóstico à paralisação foram seis meses).
Após a coleta de dados, eles continuam usando os dispositivos , que custam cerca de US$ 50 mil, elaborados pelos cientistas. Tanto para os pacientes quanto para os familiares, foi um grande alívio, relatam os autores.
“Os resultados desmentiram minha teoria de que pessoas que atingem o estado completo de encarceramento [em que nem os olhos se mexem] não eram mais capazes de se comunicar”, disse Birbaumer em um comunicado.
Para o neurocirurgião Paulo Porto de Melo, chefe do serviço de neurocirurgia do Exército Brasileiro, os achados são capazes de mudar o paradigma da área. “Em países onde é permitida a eutanásia, alguns pacientes que fizeram essa escolha, ao saber dessa não possibilidade, talvez mudassem de ideia.”
Ao serem questionados se estariam felizes, os pacientes responderam sim ao longo das diversas sessões. Birbaumer se disse surpreso: “Quando não era mais possível respirar, todos os quatro aceitaram a ventilação artificial para continuar sobrevivendo. De alguma maneira, eles já haviam feito a escolha pela vida.”
“Uma coisa é uma decisão racional, tomada em uma discussão à mesa, com serenidade. Na hora H, as pessoas se apegam à vida, por menor que seja a chance”, diz Melo. METODOLOGIA Até então as mais bem-sucedidas tentativas de estabelecer um canal de comunicação com pessoas encarceradas nos próprios corpos envolviam o uso de eletrodos e do eletroencefalograma (EEG), técnica que mede a atividade elétrica cerebral.
O problema é que é muito difícil pescar alguma informação no emaranhado de sinais elétricos. Alguns cientistas tiveram a ideia de inserir eletrodos dentro do crânio para melhorar a interface. Foi possível “digitar” duas letras por minuto. O estudo em questão foi publicado em novembro na revista “New England of Medical Journal”.
A vantagem da nova proposta, que está relatada na revista especializada “Plos Biology”, é que ela não é invasiva e não requer um ambiente hospitalar para funcionar — os testes foram feitos em casa.
A touca que é colocada na cabeça do paciente contém, além de eletrodos para realização de EEG, emissores e captadores de luz em uma faixa próxima ao infravermelho.
O objetivo é investigar o metabolismo em algumas áreas do cérebro a partir da quantidade de hemoglobina que está carregando oxigênio. A hemoglobina é a proteína responsável por levar e trazer moléculas de oxigênio (O2) e gás carbônico (CO2), permitindo que a troca gasosa aconteça.
Apesar de ainda haver margem para erro nas análises, os cientistas esperam que, com o passar do tempo e a sofisticação da técnica, seja possível fazer uma medição do pensamento que se traduza em letras. Seria um belo avanço.