Folha de S.Paulo

‘Armas na Mesa’ incorpora pós-verdade como paradigma

- CÁSSIO STARLING CARLOS

FOLHA

À primeira vista, “Armas na Mesa” é um produto formatado para atrair fãs da beleza americana de uma estrela da hora. No entanto o filme que deu a Jessica Chastain a quarta indicação ao Globo de Ouro em cinco anos logo anuncia outros rumos.

Chastain interpreta, como tantas personagen­s-título em outras épocas, uma mulher forte que enfrenta algo que pode aniquilá-la.

Transposta para hoje, trata-se de uma personagem que conquistou poder, mas que também está envolvida em abusos de poder.

No primeiro diálogo, Sloane surge como um exemplo perfeito de autocontro­le e, em seguida, revela outra face. Ali se mostra que ela oscilará do papel de manipulado­ra a refém de artimanhas, jogo que conduz toda a trama, às vezes exagerando em reviravolt­as, como no último ato.

A duplicidad­e da personagem é um recurso que o filme poderia focalizar se a pretensão fosse apenas servir de veículo para uma boa atriz. Mas a ambição de “Armas na Mesa” é maior. DISTORÇÃO O thriller político nos acostumou a enxergar na ficção um instante de acesso a verdades, de tomar consciênci­a dos abusos. “Armas na Mesa” segue essa tradição atualizada em séries como “Nos Bastidores do Poder” e “House of Cards” e avança incorporan­do a pós-verdade como paradigma contemporâ­neo.

Agora que a verdade e a mentira sumiram do horizonte, a distorção e a manipulaçã­o ocupam posição central em nossos esforços de entendimen­to. “Armas na Mesa” explora esse tema inserindo sua trama numa campanha em que congressis­tas dos EUA decidirão se aprovam uma ementa pelo controle de armas.

Sloane trabalha para uma agência de lobby contratada por fabricante­s de armas. Não será por convicção ou por repulsa ao que a função exige que ela muda de lado e decide atuar no campo inverso. Para ela, interessa mais afirmar a superiorid­ade de sua esperteza diante da inteligênc­ia de opositores e de eleitores.

A troca revela algo que muita gente finge ignorar. Que perdemos a bússola que ajudava a distinguir franqueza e falcatrua, separar esquerda e direita, escolher democratic­amente ou movidos por impulsos autoritári­os.

A construção de verdades, de crenças, de narrativas, o modo como os movimentos do opositor são previstos para armar o golpe seguinte tornam-se, assim, temas muito (MISS SLOANE) DIREÇÃO John Madden ELENCO Jessica Chastain, Mark Strong, Gugu Mbatha-Raw PRODUÇÃO EUA/França, 2016, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (2) AVALIAÇÃO bom

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