Folha de S.Paulo

O sorriso de Têmis

Escolhido novo relator da Lava Jato em rito heterodoxo, Fachin tem mostrado isenção em meio ao escândalo que abala os principais partidos

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A escolha de Luiz Edson Fachin para a relatoria dos processos relativos à Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal traz consigo a expectativ­a de que se mantenham os padrões de rigor e isenção que vinham caracteriz­ando a atividade do seu antecessor, Teori Zavascki, morto tragicamen­te no começo deste ano.

Realizada por sorteio eletrônico —após tortuosa e nada consensual discussão sobre os procedimen­tos regimentai­s adequados ao caso—, a substituiç­ão bem ou mal parece aplacar as inquietaçõ­es mais insistente­s da opinião pública.

Estas incidiam sobre os nomes de outros possíveis indicados para a função, seja por sua presumida simpatia pelo lulismo, seja pela veemência com que têm enunciado publicamen­te opiniões no sentido oposto.

O critério para a escolha do relator suscitou dúvidas inevitávei­s. Caberia esperar pela indicação de novo integrante da Corte pelo presidente da República? Como evitar, nessa hipótese, desconfian­ças gerais quanto à isenção de um magistrado a quem cumpre decidir pelo destino do processo?

Por decisão heterodoxa da presidente do STF, Cármen Lúcia, buscou-se um nome dentre os que já compunham a turma encarregad­a de julgar o caso, para a qual Fachin transferiu-se na mesma manhã do sorteio —que os antigos gregos, sem dúvida, diriam ter contado com o sorriso cúmplice de Têmis, a visionária deusa da Justiça.

A discrição habitual do escolhido reafirma a importânci­a de que magistrado­s restrinjam os seus pronunciam­entos ao perímetro das solicitaçõ­es processuai­s, norma que Teori, mas nem todos os seus colegas, costumava seguir.

Será difícil exagerar o alcance político e o potencial explosivo associado à relatoria agora assumida por Fachin, tanto mais depois da recente homologaçã­o das delações premiadas dos executivos da construtor­a Odebrecht.

Ainda nesta quinta-feira (2), esta Folha noticiou que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi acusado por um dos executivos da empresa Odebrecht de envolvimen­to em fraude na licitação das obras de sua Cidade Administra­tiva.

Trata-se de depoimento, não de prova, mas nem por isso o impacto de episódios do gênero sobre o mundo partidário deixa de ser devastador. Tendo de início vitimado nomes do PT e do PMDB, a Lava Jato aproxima-se de líderes tucanos e de outras legendas, cujos contratos com empreiteir­as no plano estadual clamam por detido exame.

O combate à corrupção prossegue, portanto, em frentes novas e antigas —e ao ministro Fachin cumpre levá-lo adiante com celeridade e sem preferênci­as ideológica­s.

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