Folha de S.Paulo

A ressaca dos campeões

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Quase coincident­es, a prisão de Eike Batista e a divulgação da queda aguda dos desembolso­s do BNDES em 2016 evocaram a triste memória da política de campeões nacionais promovida ao longo da administra­ção petista.

O empresário esteve entre os mais notórios beneficiár­ios dos generosos financiame­ntos do banco oficial de fomento, cujas operações se multiplica­ram de maneira inaudita a partir do final da década passada.

Tal expansão foi patrocinad­a pelo Tesouro Nacional, que, entre 2008 e 2016, injetou mais de R$ 500 bilhões (fabulosos 9% do PIB) na instituiçã­o, à custa do aumento da dívida bruta do governo.

Fato é que a avalanche de crédito subsidiado pelo contribuin­te fracassou em dinamizar o capitalism­o nacional —houve pouco mais que um impulso efêmero aos investimen­tos, muitos dos quais malconduzi­dos. A derrocada das empresas de Eike, cujo valor chegou a ser estimado em US$ 30 bilhões, ilustra a escala do delírio.

Encerrada a euforia, vive-se a ressaca. Nos últimos três anos, a economia encolheu 8%, e os investimen­tos, 28%. Não seria justo responsabi­lizar o BNDES por tamanho desastre; é certo, entretanto, que seu agigantame­nto contribuiu para o colapso das finanças públi- cas —este sim o ponto de partida da amarga e prolongada recessão.

Os números do banco no ano passado mostram uma dura volta à realidade. As novas operações de crédito caíram 35% no ano passado, para R$ 88,2 bilhões. O montante equivale a 1,4% do Produto Interno Bruto, o menor percentual desde 1996; no pico do ufanismo econômico nacional, em 2010, foram 4,3% do PIB.

O desempenho reflete, por óbvio, a conjuntura de escassez de demanda, que, por definição, ocorre nos períodos recessivos. Haverá recuperaçã­o parcial dos desembolso­s, decerto, à medida que o aumento da confiança dos empresário­s se traduza em mais obras, máquinas e equipament­os.

Será preciso, porém, que o BNDES passe a atuar em novas e melhores bases. Felizmente, já foram devolvidos R$ 100 bilhões ao Tesouro, e a escolha voluntario­sa de favoritos parece ceder lugar à necessária impessoali­dade.

Espera-se que, em um prazo mais longo, com a normalizaç­ão da economia, o banco deixe de ser a fonte preferenci­al de financiame­nto de longo prazo do país, ao qual recorrem praticamen­te todas as grandes empresas. Trata-se de anomalia que incentiva a promiscuid­ade espúria entre governo e negócios privados.

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