Folha de S.Paulo

Temer entre a virtude e o vício

- REINALDO AZEVEDO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

MICHEL TEMER está prestes a indicar o nome do futuro ministro do STF. Pode ser o ato mais virtuoso da sua gestão. Pode ser o mais desastroso.

Instituiçõ­es sólidas como nunca havíamos tido até então, construída­s desde a Constituiç­ão de 1988, aperfeiçoa­das e consolidad­as nos oito anos de FHC, impediram que o governo Lula conseguiss­e somar o autoritari­smo ao que se considerav­a, então, êxito econômico.

Bem que os companheir­os tentaram, por exemplo, enfiar a censura à imprensa num plano de direitos humanos, criar o Conselho Federal de Jornalismo —com caracterís­ticas de comitê censor— e, ora veja, “democratiz­ar a mídia”, como pregava Franklin Martins. A propósito: onde andará. Pergunta só retórica. Não quero saber.

Infelizmen­te, a situação institucio­nal se deteriorou estupidame­nte nos últimos seis anos. Há, sim, fatores incidentai­s que explicam a exacerbaçã­o de ânimos, como a crise econômica e a Lava Jato, que desempenha papel ambíguo nesse ambiente: se responde a uma real aspiração dos brasileiro­s, conduz, no entanto, com frequência, à desesperan­ça. Experiment­a-se uma sensação permanente de fim dos tempos. “Ah, então tem de acabar, Reinaldo?” Essa é a voz do cretino militante tentando ser irônico.

Se é próprio das sociedades forçar os limites do contrato social, aos agentes do Estado, ao contrário, a civilizaçã­o democrátic­a atribui um único papel: ater-se àquilo que prescreve a norma. Sempre entendendo que esta prevê a forma da própria mudança para atender a novas demandas. Muda-se para conservar. Conserva-se para mudar. As sociedades são tão mais vivas quanto mais “mortas” são suas respectiva­s constituiç­ões.

Por que chamo a atenção para a importânci­a que tem o futuro ministro do STF? O baguncismo acabou se instalando em nossa Corte Suprema. Com desassombr­o, lembrei aqui na semana passada, ministros afrontam leis em vigor, pisam na Constituiç­ão, arvoram-se em legislador­es e se comportam como lobistas de causas. Ou não vimos, para citar o caso mais recente, a ministra Cármen Lúcia a jogar no lixo o Regimento Interno do tribunal ao homologar as delações? Na era em que agredir a lei vira manifestaç­ão afirmativa, houve até quem elogiasse seu desassombr­o de mulher. Que preguiça!

Leio que o ministro Roberto Barroso —aquele que legalizou (!) o aborto até o terceiro mês de gestação— concedeu uma entrevista e, como um ongueiro ou legislador, propôs a liberação plena da maconha para minimizar a crise carcerária. Contumaz minimizado­r de cárceres, sugere que pode ser uma experiênci­a para a legalizaçã­o da cocaína. É um método, doutor? Baixemos a zero o número de criminosos homicidas descrimina­ndo... o homicídio!

Quantas pessoas terão aconselhad­o Temer a não indicar o competente e técnico Ives Gandra Martins Filho —na minha fila, Alexandre de Moraes está na frente— porque ele é ligado ao Opus Dei, é crítico da união civil entre pessoas do mesmo sexo (e não haverá recuo nessa área) e se opõe à legalizaçã­o do aborto? Barroso pode valer por 513 deputados e 81 senadores. Martins Filho não pode emitir uma opinião em favor dos códigos escritos. Que Temer não se torne refém de quem detesta o seu governo e gostaria de derrubá-lo.

O que vai ser, presidente? Um ministro para conservar instituiçõ­es que viabilizam os avanços que as conservam ou um outro para flertar com bruxarias do novo constituci­onalismo —que não passam, desde sempre, do velho baguncismo, que transforma esperanças em ruínas?

PS – Edson Fachin é relator da Lava Jato por sorteio. Defendi, ainda no dia 19, quando Zavascki morreu, que se conduzisse alguém da Primeira para a Segunda Turma. Sugeri Fachin. E que fosse ele a assumir a tarefa, conforme prevê o Regimento. Prefiro acreditar que os ministros afirmam ser sorteio só para pacificar os asnos da conspiraçã­o (embora o efeito seja contrário). Na minha fantasia, Cármen Lúcia teve a coragem de seguir a lei.

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A indicação do futuro ministro do Supremo será o ato mais importante do mandato do presidente

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