Folha de S.Paulo

‘Pacotinho’ de genes gera diversidad­e de cor em borboletas

No gênero menos de 0,2% do genoma cria 400 padrões de asas; cores vivas dão alerta sobre impalatabi­lidade dos bichos

- RICARDO BONALUME NETO

De boba, a borboleta maria-boba não tem nada. Colorida e comum nas regiões nordeste, centro-oeste e sudeste do Brasil, o animal (Heliconius ethilla narcaea) tem um voo lento meio abobalhado, mas nenhum pássaro ousa comê-la. É tóxica e impalatáve­l.

Não é o único caso. Esse parece ser um traço comum entre borboletas do gênero Heliconius, abundantes nas Américas do Sul e Central, no Caribe e no sul dos Estados Unidos. Se não são venenosas, imitam a cor das asas das suas primas nada apetitosas. Na dúvida, aves predadoras buscam presas mais fáceis.

A variedade de coloração é impression­ante. Uma nova pesquisa publicada nesta semana na revista científica es “Nature Ecology & Evolution” mostrou que bastam poucos genes —e também os intervalos entre eles— para criar a pletora de cores e formas disponívei­s em várias raças de uma das espécies, a Heliconius erato.

Bastou uma “simples caixa de ferramenta­s de genes” para produzir cerca de 400 formas de cor de asa diferentes e 46 espécies do gênero Heliconius.

“Menos de 0,2% do genoma foi associado com a diversidad­e do padrão de asa”, afirmam os pesquisado­res.

A pesquisa foi liderada por Riccardo Papa e Steven M. Van Belleghem, ambos da Universida­de de Porto Rico. Gilson Rudinei Pires Moreira, da Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi um dos coautores.

Desde o século 19 o estudo do gênero Heliconius ajudou a entender o mimetismo. O fenômeno ocorre quando uma espécie possui caracterís­ticas que evoluíram especifica­mente para se assemelhar com as de outras espécies. A semelhança é vantajosa, conferindo proteção contra predação para um ou ambos organismos.

“Elas fazem propaganda do seu grau impalatáve­l. A cor viva chama a atenção para o perigo”, diz Moreira.

Ele lembra que essas borboletas são excelentes modelos para pesquisa biológica. “Radiações adaptativa­s recentes, como as borboletas do gênero Heliconius, os tentilhões das Galápagos e os peixes ciclídeos africanos oferecem uma visão das forças evolutivas e ecológicas.”

Segundo o professor da UFRGS, uma das grandes descoberta­s desse novo estudo é “a forte indicação de que esses genes podem atuar em outros grupos de borboletas”.

“Identifica­r as mudanças genômicas que controlam a variação morfológic­a e entender como elas geram diversidad­e é um dos principais objetivos da biologia evolutiva”, afirmam os autores,

Eles fizeram o sequenciam­ento de 15 genomas de raças de Heliconius erato e8de espécies próximas para caracteriz­ar a variação genômica associada à diversidad­e de padrões de asas.

“Pela primeira vez, fomos capazes de colocar uma radiação inteira dentro de um único quadro genômico”, concluíram os pesquisado­res responsáve­is pelo estudo.

 ?? Juan Carlos Ulate/Reuters ?? A borboleta maria-boba é tóxica e afasta os predadores pelas cores presentes nas asas
Juan Carlos Ulate/Reuters A borboleta maria-boba é tóxica e afasta os predadores pelas cores presentes nas asas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil