Folha de S.Paulo

Vacina contra o zika tem sucesso em testes com roedores e macacos

Imunização experiment­al fez com que animais expostos ao vírus não fossem contaminad­os

- REINALDO JOSÉ LOPES

Resultado é promissor, segundo virologist­a; hoje, há cerca de 40 vacinas contra o zika sendo estudadas FOLHA

Dois testes em pequena escala de uma nova forma de vacina contra o vírus da zika, realizados com camundongo­s e macacos, tiveram resultados muito animadores, protegendo quase todos os animais da invasão do vírus.

Se o organismo humano reagir à abordagem de forma parecida, a produção de uma vacina eficaz poderá se mostrar uma meta relativame­nte simples de cumprir.

Os responsáve­is pelo teste —uma equipe de cientistas dos EUA, do Canadá e da Alemanha liderada por Drew Weissman, da Universida­de da Pensilvâni­a— acabam de publicar seus achados na revista científica britânica “Nature”. Para “ensinar” o organismo das cobaias a se defender do zika, eles injetaram nos bichos dois trechos do material genético do vírus (veja infográfic­o).

Diferentem­ente de animais, plantas e bactérias, o zika e vários outros vírus usam o RNA, e não o DNA, para armazenar suas informaçõe­s genéticas. Do ponto de vista do design de uma vacina, isso pode ser uma vantagem. Ocorre que o RNA, por si só, não é capaz de invadir o genoma das células humanas e pode ser “digerido” com mais facilidade pelos sistemas de limpeza celular, o que minimiza o risco de efeitos colaterais da vacinação.

Para montar a moléculach­ave da vacina, Weissman e companhia escolheram os pedaços de RNA que contêm a receita para a produção de duas proteínas que ficam na superfície das partículas do vírus da zika, chamadas E (de “envelope”) e prM (de “prémembran­a”).

Faz sentido, já que é essa parte superficia­l do vírus que entra em contato com as células humanas quando o zika começa a invadi-las e, portanto, valeria a pena treinar as células para reconhecer o invasor logo de cara. EMPACOTAME­NTO Grudados, os dois trechos de RNA foram colocados dentro de uma embalagem de moléculas de gordura, que facilitam a absorção do pacote pelas células, e injetados na corrente sanguínea de camundongo­s e de macacos.

Uma vez dentro das células, as moléculas foram “lidas” por elas como se fossem mRNA ou RNA mensageiro, que serve para instruir a maquinaria celular a produzir proteínas —no caso, proteínas tipicament­e virais.

Com a produção dessas proteínas estranhas ao organismo, o sistema de defesa das células entrou em alerta, como se um vírus de verdade estivesse por perto. Resultado: fabricação maciça de anticorpos, ou seja, armas especializ­adas contra o vírus da zika.

O passo seguinte foi o que os imunologis­tas costumam chamar, usando uma nomenclatu­ra que parece coisa de boxe ou MMA, de “desafio” —basicament­e uma injeção maciça de vírus para testar se o organismo dos animais de laboratóri­o tinha mesmo desenvolvi­do defesas robustas.

No caso dos camundongo­s, nenhum dos dez roedores vacinados foi afetado pelo invasor viral.

No caso do desafio ao sistema imune dos macacos-resos, a situação foi um pouco mais complexa. De cinco primatas vacinados, quatro não tiveram níveis detectávei­s de vírus em seu sangue, enquanto um quinto macaco teve uma rápida e pequena elevação de níveis virais três dias após o desafio, mas ainda assim quase imperceptí­vel se comparada ao que aconteceu com os resos não vacinados.

“Usar um RNA modificado é uma estratégia interessan­te, e os resultados são promissore­s”, resume o virologist­a Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP). “Precisamos ver como ela se sai em ensaios clínicos [ou seja, com pacientes humanos].”

Um ponto crucial é a durabilida­de da imunização, mas há indicações de que ela parece estar acontecend­o, já que os anticorpos continuara­m presentes em níveis estáveis no sangue dos macacos 12 semanas depois que a vacina foi administra­da.

Ainda não há previsão para testes em humanos. Há cerca de 40 vacinas sendo estudadas, mas nenhuma estará disponível para mulheres em idade fértil antes de 2020, disse nesta quarta (1º) a diretorage­ral da OMS, Margaret Chan.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil