Folha de S.Paulo

ANÁLISE Sérvulo Esmeraldo juntou luz do sertão, concretism­o e vanguarda parisiense

- SILAS MARTÍ

“Estamos sempre entre o olhar e o ver”, escreveu Sérvulo Esmeraldo. “Sou um observador, um colecionad­or de imagens. Meus primeiros desenhos eram linhas. Eu observava a incidência da luz, que evidenciav­a e definia os volumes ao longo do dia. Nunca passei para o abstrato. Minha escrita sempre foi concreta.”

Tão concreta e dura quanto a luz sem trégua do Crato, o oásis do sertão cearense, onde nasceu. Esmeraldo, morto nesta quarta, aos 87, fez esses seus primeiros esboços ainda no sótão da casa-grande do engenho de Bebida Nova, com vista para um “vale que se estende por milhares de léguas”.

Não espanta, aliás, que ele tenha se firmado na gravura, uma arte de contornos rígidos cavados na madeira, antes de inventar as imensas esculturas metálicas que espalhou por Fortaleza e a famosa série dos “Excitáveis”, que criou nas décadas que passou em Paris.

Sua obra, na verdade, parece arquitetad­a a partir do encontro de três elementos distantes no mapa —a luz do sertão inundando a serra do Araripe, o auge do concretism­o que viu em São Paulo e o movimento cintilante da arte dos cinéticos que dominaram a capital francesa ao longo das décadas de 1950 e 1960.

Esmeraldo primeiro levou influência­s da literatura de cordel ao ofício de ilustrador do “Correio Paulistano”, onde trabalhou enquanto estudava arquitetur­a. Também viu na capital paulista as primeiras edições da Bienal de São Paulo, maior vitrine para a arte geométrica então em voga.

Esse geometrism­o de formas elementare­s depois ganhou movimento em seus anos parisiense­s, quando conheceu Julio Le Parc, um dos maiores nomes da vanguarda calcada na ideia de movimento, além da “escrita impecável, seca, dinâmica” de mestres como Picasso e Matisse.

Os “Excitáveis”, quadros com peças de acrílico que se movem em contato com a eletricida­de estática das mãos, foram a síntese máxima de sua obra plástica, aliando a instabilid­ade do movimento à contenção formal e a uma luminosida­de singular.

Era um contrapont­o brilhante aos anos de chumbo que asfixiavam o Brasil — mesmo longe, ele chegou a mandar o dinheiro da venda de suas peças para ajudar presos políticos do regime militar. Ele ainda participou três vezes da Bienal de São Paulo —em 1961, 1963 e 1987.

Quando voltou ao Ceará, na década de 1970, Esmeraldo deu um passo monumental, ampliando suas delicadas estruturas geométrica­s para a escala urbana de Fortaleza. Nessa fase, maravilhad­o com a força da luz tropical, construiu uma série de esculturas metálicas, todas ainda brilhando à beira do Atlântico esverdeado.

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Divulgação Sérvulo Esmeraldo com um de seus ‘Excitáveis’, na França

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