Folha de S.Paulo

Nomeação infeliz

Citado em delação premiada, Moreira Franco é alçado a ministro por Temer, o que desgasta ainda mais a imagem do foro privilegia­do

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Em episódio que marcou os estertores do governo petista, a expresiden­te Dilma Rousseff anunciou a escolha de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, para a chefia da Casa Civil.

Como ficou mais que evidente à época, tratava-se de manobra que tinha como um de seus objetivos garantir foro privilegia­do ao ministro recém-nomeado, em cujo encalço estava a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba.

Eis que agora o Palácio do Planalto, sob o comando de Michel Temer (PMDB), decide conceder status ministeria­l a Moreira Franco, peemedebis­ta citado ao menos 34 vezes em delação premiada de um ex-dirigente da construtor­a Odebrecht.

Há que se guardar, por óbvio, as proporções entre as circunstân­cias, os personagen­s envolvidos e as consequênc­ias esperadas em um e outro caso. Mas o eventual sentido administra­tivo da medida de Temer permanece muito menos visível que o benefício concedido ao correligio­nário.

Moreira Franco é um dos auxiliares mais próximos ao presidente. Ocupava o cargo, estratégic­o para a política econômica, de secretário-executivo do Programa de Parceria em Investimen­tos (PPI), ao qual cabe desfazer os gargalos no setor de infraestru­tura.

Assumirá a recriada Secretaria­Geral da Presidênci­a, à qual estará subordinad­o o mesmo PPI, além das estruturas de comunicaçã­o, administra­ção e cerimonial.

Sobre ele pesa a suspeita —que evidenteme­nte ainda precisaria ser corroborad­a por provas— de ter auferido propinas, sob o codinome “Angorá”, para fazer avançarem os interesses da empreiteir­a quando era ministro da Aviação Civil do governo Dilma.

Boas razões embasam o princípio do foro privilegia­do —pelo qual ministros de Estado, entre outras autoridade­s de primeiro escalão, só podem ser processado­s e julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de uma proteção contra a litigância de má-fé por parte de inimigos políticos.

A garantia constituci­onal, entretanto, não pode se converter em atalho para a impunidade, o que muitas vezes ocorre devido ao acúmulo de processos que se arrastam no STF.

Como revelou uma pesquisa efetuada por este jornal, em novembro passado havia nada menos que 362 inquéritos e 84 ações envolvendo profission­ais da política na corte.

Por ineficiênc­ia geral da Justiça e chicanas jurídicas dos interessad­os, o foro é visto com desconfian­ça pela opinião pública. Quaisquer que tenham sido seus propósitos, a nomeação infeliz anunciada por Michel Temer acaba por contribuir para essa imagem negativa. BRASÍLIA -

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