Folha de S.Paulo

A virtude da vaidade

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SÃO PAULO - Instituiçõ­es funcionam bem quando são desenhadas de modo a não apenas não contrariar a natureza humana como também usá-la a seu favor. O melhor exemplo que me ocorre é o das instituiçõ­es econômicas no experiment­o natural que foi o século 20.

Alguns países tentaram implantar a economia planificad­a. No papel, era perfeito. A sociedade teria tudo aquilo de que precisa para tornar-se cada vez mais próspera, sem desperdíci­os. Todos saberiam de antemão o que precisaria­m fazer e quanto receberiam ao fim de cada mês.

Outras nações, porém, optaram pela economia de mercado, na qual cada agente, perseguind­o seus próprios interesses, investe onde bem entende e compra o que deseja. À primeira vista, é a receita para o caos.

O ocaso do chamado socialismo real, porém, mostra que a segunda aposta era melhor do que a primeira. As economias planificad­as falharam, entre outras razões, porque não é realista esperar que, sem incentivos adequados, todos deem o máximo de si. No longo prazo, a preguiça acaba prevalecen­do sobre o altruísmo.

Economias de mercado prosperara­m porque elas não só não desafiam inclinaçõe­s naturais do homem como ainda tentam alinhá-las de modo que o resultado final seja favorável ao grupo. Quando cada um trabalha para produzir o máximo possível e, assim, ganhar mais que o vizinho, a sociedade se torna mais rica.

Esse longo exórdio foi para dizer que, a menos que o presidente Michel Temer indique um verdadeiro capacho para o STF, um quadro mais técnico provavelme­nte atuará com independên­cia depois que tiver se sentado na cadeira de ministro.

A explicação está na vitalicied­ade. Uma vez nomeado (e com a aposentado­ria garantida), o ministro só deve satisfaçõe­s a si mesmo. Num ambiente que cultiva a vaidade, a biografia tende a valer mais que a lealdade. Aqui como no mercado, o vício privado se torna virtude pública. helio@uol.com.br

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