Autocontenção
FAZER JUSTIÇA e impor sentenças não é uma tarefa fácil para quem exerce o poder. Não gera lealdades, nem angaria cooperação. Antes o contrário. Aqueles que se veem contrariados por uma sentença serão eternamente ressentidos com o seu algoz. Já quem é beneficiário de uma sentença favorável, não tende a ser grato. Afinal, se estava certo, só recebeu o que merecia.
Assim, dada a natureza ingrata e auto interessada do ser humano, como nos ensina Maquiavel, o melhor para o príncipe que tem a pretensão de exercer o poder de maneira estável é conceder a função de julgar a um corpo autônomo de funcionários, separados e independentes de sua corte. Ao soberano ficariam reservadas apenas aquelas prerrogativas generosas de anistiar e perdoar, com as quais pode obter a “eterna gratidão” dos “injustiçados”.
Como sustenta o cientista político Stephen Holmes, monopolizar o poder é muito contraproducente e oneroso para qualquer soberano. Transferir problemas intratáveis para os tribunais pode ser uma estratégia libertadora, que permite ao príncipe se concentrar naquilo que mais lhe importa, que é obter a cooperação dos que contribuirão para a sua manutenção no poder.
Essa mesma lógica se aplica a outros temas indigestos que transcendem a esfera penal. Tem sido cada vez mais comum, ao redor do mundo, que Legislativo e Executivo se abstenham de decidir questões encrespadas, como aborto, uso de drogas, casamento entre pessoas do mesmo sexo, delegando aos juízes essas decisões. Dessa forma, não têm o ônus de se indispor com parcelas significativas do eleitorado.
Talvez esse raciocínio nos ajude a entender porque o presidente Michel Temer (PSDB) não tenha exercido a sua prerrogativa constitucional de indicar um substituto para o ministro Teori Zavaski logo após o seu trágico falecimento. O fato de que o sucessor do ministro Teori seria herdeiro necessário da relatoria da Lava Jato, colocaria o presidente na linha de fogo de todos aqueles que serão afetados pela operação. Por outro lado, um eventual naufrágio da operação, também lhe seria tributado. Assim, a melhor estratégia foi a autocontenção, deixando à Justiça as tarefas difíceis para as quais foi criada.
A forma surpreendentemente pacífica como a “designação algorítmica” do ministro Edson Fachin foi recebida por seus colegas de turma segue a mesma lógica. Sinaliza não apenas a confiança na imparcialidade do ministro, mas também um certo alívio por não terem que tomar, individualmente, decisões muito custosas. O sorteio, poderia eventualmente ter sido evitado. O artigo 68, parágrafo primeiro, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, oferece espaço para que, em casos excepcionais, a escolha se desse de outra forma. Ninguém ousaria discordar que esse é um caso especial.
A operação Lava Jato, sob nova condução, retomará assim o seu curso natural, que será inevitavelmente acidentado. Afinal, processar e julgar, de uma só vez, um número extraordinário de parlamentares seria um enorme desafio para qualquer tribunal do mundo democrático. Não há porque esperar que as coisas sejam diferentes para o Supremo. A autocontenção presidencial, no entanto, deve colaborar para que esse processo não se torne ainda mais conturbado do que promete.
Transferir problemas intratáveis para os tribunais pode ser uma estratégia libertadora para um líder