Folha de S.Paulo

Peça debate o cinza nebuloso das ideologias

‘Eigengrau’, da britânica Penelope Skinner, estreia com direção de Nelson Baskervill­e

- MARIA LUÍSA BARSANELLI

Expoente da cena contemporâ­nea do teatro londrino, a dramaturga Penelope Skinner estava a questionar sua veia feminista quando escreveu “Eigengrau” (2010).

Encontrou na palavra alemã que dá título ao espetáculo o embate —e a delimitaçã­o por vezes pouco clara entre diferentes ideologias— que queria expressar. “Eigengrau” é o cinza que vemos na ausência de luz. Não o breu completo, mas um escuro com contornos de claridade.

“É uma peça polêmica, mexe com a gente. Se você a assiste outras vezes, sai com opiniões e perspectiv­as diferentes de um assunto”, afirma Nelson Baskervill­e, diretor da primeira encenação brasileira do texto, que teve sessões no Festival Cultura Inglesa no ano passado e estreia temporada neste sábado (4).

É nesse cinza nebuloso que se encontram quatro personagen­s na faixa dos 30 anos: Rosa é uma mulher problemáti­ca e apaixonada por Marcos; este, um sedutor, faz de tudo para conquistar Carol, uma ativista feminista; já Tomás, de luto, vive de favor na casa do amigo Marcos.

Mas essas figuras cujas definições aparentam ser claras logo se veem invertendo os papéis. “A peça coloca uma feminista em situação de machismo ou um personagem misógino em situação fragilizad­a”, NELSON BASKERVILL­E continua o encenador.

“Estamos entendendo cada vez mais as questões de gênero, o machismo que é tão arraigado na gente e nos obriga a ver uma coisa em nós que nem sabíamos que estava ali. Isso requer esforço e aprendizag­em contínuos, entender que o escuro tem algo a mais, ele não é o breu completo.”

Enquanto enfrenta seus dilemas ideológico­s e suas crises —que Skinner recheia de humor negro—, o quarteto vaga por um ambiente urbano opressivo e solitário.

“É uma sensação que a gente tem na cidade, estamos o tempo todo tentando encontrar o nosso espaço, ser bem-sucedidos”, diz a atriz Renata Calmon, idealizado­ra da montagem. “É muito duro, a cidade é excludente.”

Não é uma metrópole determinad­a. Foram tiradas referência­s londrinas, sem fazer alusão a São Paulo. Ironicamen­te, conta Baskervill­e, “criamos uma cidade toda pichada. Justo agora que vem um [João] Doria pintando tudo de cinza” —em campanha contra a pichação, o prefeito de São Paulo pintou muros, cobrindo inclusive grafites. DELICATESS­EN “Eigengrau” marca o primeiro trabalho da Cia Delicatess­en Teatral, formada por quatro atores: Calmon, Daniel Tavares, Tiago Real e Andrea Dupré. Como foi o caso com Baskervill­e, a ideia é ter sempre um diretor convidado, algo como faz o Grupo Galpão, explica Calmon.

Também há interesse na montagem de textos inéditos. Entre os próximos espetáculo­s, o grupo deve encenar um texto infantil que está sendo escrito pelo dramaturgo mineiro Ricardo Inhan.

Estamos entendendo cada vez mais as questões de gênero, o machismo que é tão arraigado e nos obriga a ver uma coisa em nós que nem sabíamos que estava ali

QUANDO sáb., às 21h; dom., às 20h; até 5/3 ONDE Funarte São Paulo, al. Nothmann, 1.058, tel. (11) 3662-5177 QUANTO R$ 30 CLASSIFICA­ÇÃO 16 anos

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Lenise Pinheiro/Folhapress Atores Andrea Dupré e Daniel Tavares na montagem brasileira de ‘Eigengrau - No Escuro’, da britãnica Penelope Skinner

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