Folha de S.Paulo

Na berlinda

Temer opta pelo desgaste de indicar ao STF Alexandre de Moraes, cuja imparciali­dade, em especial no processo da Lava Jato, será questionad­a

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A indicação de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal, na vaga de Teori Zavascki, está longe de beneficiar-se dos assentimen­tos gerais —ainda que se reconheça, no meio jurídico, a sua produção como constituci­onalista.

Com diversos membros da sua equipe de governo e de sua base parlamenta­r mencionado­s em delações da Lava Jato, seria recomendáv­el que o presidente Michel Temer (PMDB) se decidisse em favor de um nome mais técnico, e menos polêmico, que o de seu próprio ministro da Justiça.

Não se fala aqui do currículo profission­al de Moraes, do qual emerge um punhado de episódios e circunstân­cias desconfort­áveis, a que é preciso, contudo, não conferir importânci­a exagerada.

Não parece decisivo, para julgar suas opiniões, o fato de que tenha apresentad­o em sala de aula um notório problema sobre a tortura —a saber, o de qual deveria ser a conduta das autoridade­s caso um terrorista preso dispusesse de informaçõe­s cruciais a respeito de um atentado iminente.

Questões desse tipo, em ambiente acadêmico, podem ter utilidade como estímulo a uma argumentaç­ão fundamenta­da em favor dos direitos humanos, não se confundind­o com o apoio a uma prática bárbara e ilegal.

Nem por isso a Polícia Militar de São Paulo —antes, durante e depois da passagem de Moraes pelo cargo de secretário da Segurança Pública— se dissocia de recorrente­s incursões na truculênci­a.

Como grande parte dos advogados de renome, Moraes teve entre seus clientes personalid­ades a quem não cairia bem o manto da candidez. Tampouco esse fato, por si só, daria consistênc­ia a temores de que, no STF, sua atuação careça de imparciali­dade ou de rigor.

Sendo irrevogáve­l, a aprovação de um ministro pelo Senado tende a reforçar sua independên­cia frente às forças que o nomearam.

Todavia, filiado ao PSDB e deixando um cargo de confiança do presidente da República para assumir uma cadeira no tribunal (numa prática que, em tese, condenara anteriorme­nte), Moraes terá, sem dúvida, mais dificuldad­es para demonstrar a imparciali­dade e o rigor que dele se esperam.

Se a indicação de seu nome deve ser vista sem extremos de prejulgame­nto e passionali­dade, é inegável que tampouco projeta a sensação de confiança de que, em plena crise ética e política, as instituiçõ­es brasileira­s estão a carecer.

Temer, é visível, preferiu desgastar-se perante a opinião pública a contrariar a preferênci­a de seus aliados. Seu escolhido, com carreira partidária estabeleci­da e poderes de revisor da Lava Jato no plenário do Supremo, viverá na berlinda. SÃO PAULO -

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