Folha de S.Paulo

Caos capixaba

-

Explosão do número de homicídios; corpos no chão por insuficiên­cia de geladeiras no Departamen­to de Medicina Legal. Saques em lojas, arrastões nas ruas e ônibus incendiado­s. Escolas e postos de saúde fechados. Pessoas trancadas em suas casas por medo.

Imagens e relatos aterradore­s do caos no Espírito Santo multiplica­m-se desde o final de semana. Dificilmen­te se conseguiri­am argumentos mais eloquentes para explicar por que corporaçõe­s armadas não podem, em qualquer hipótese, entrar em greve.

Os policiais militares capixabas cruzaram os braços na última sexta (3), em paralisaçã­o dissimulad­a —familiares fazem manifestaç­ões em frente aos quarteis e impedem a saída de carros.

Trata-se de tentativa canhestra de mascarar a afronta à Constituiç­ão, que veda expressame­nte movimentos paredistas nas Forças Armadas e nas PMs. O descomunal poder de barganha dessas categorias, afinal, é a própria segurança dos cidadãos.

Em estimativa­s não oficiais que vêm sendo atualizada­s em questão de horas, o número de assassinat­os chegou aos 75 nos últimos quatro dias. Até então, o Espírito Santo —cujos índices de violência são elevados, mas declinante­s nos últimos anos— registrava média de quatro crimes do gênero por dia.

O governo federal enviou ao Estado cerca de mil militares e 200 homens da Força de Segurança Nacional. Embora bem-vindo, o reforço não passa de mero paliativo, dado que são 10 mil os policiais militares capixabas. A agravar a precarieda­de da situação, o governador Paulo Hartung (PMDB) está licenciado para tratamento médico.

Sua gestão conduz um programa de controle orçamentár­io, com restrições aos reajustes salariais para manter os gastos com pessoal dentro dos limites legais. Os PMs queixam-se da remuneraçã­o, que calculam em torno dos R$ 2.700 mensais em média, mas nem sequer formalizar­am um pleito.

De todo modo, o ímpeto grevista da categoria, em todo o país, não começou nos tempos de vacas magras —e, infelizmen­te, tem contado com a complacênc­ia dos governante­s e legislador­es.

Entre 2010 e 2016, leis federais anistiaram policiais e bombeiros militares que participar­am, a partir de 1997, de movimentos reivindica­tórios em nada menos que 22 Estados e no Distrito Federal.

Perdão tão amplo, abrangendo episódios de gravidades diferentes, é perigoso estímulo a ações irresponsá­veis. Que o caso extremo do Espírito Santo inspire maior rigor daqui para a frente.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil