Folha de S.Paulo

Estão patrulhand­o André Lara

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NO INÍCIO de janeiro, o economista André Lara Resende publicou no jornal “Valor Econômico” o artigo “Juros e Conservado­rismo Intelectua­l”. Longo e incompreen­sível para quem tropeça em coisas como “velocidade de circulação da moeda”, o texto trazia uma pergunta:

“Como é possível que depois de dois anos seguidos de queda do PIB, de aumento do desemprego, que já passa de 12% da força de trabalho, a taxa de juro no Brasil continue tão alta, enquanto no mundo desenvolvi­do os juros estão excepciona­lmente baixos?”

Resende não apresentav­a a resposta, mas informava que está sendo discutida a eficácia do remédio dos juros altos contra a inflação. É possível que essa receita seja tóxica, e esse é um debate corrente na academia internacio­nal.

André Lara Resende foi presidente do BNDES durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e integrou a ekipekonôm­ica que criou e administro­u o Plano Real, restabelec­endo o valor da moeda nacional.

O artigo recebeu mais ataques que o texto de Carlos Marighella “Algumas Questões sobre as Guerrilhas no Brasil”, publicado pelo “Jornal do Brasil” em setembro de 1968. Na maioria dos casos, Lara Resende foi contestado sem ser citado, como se fosse um ectoplasma. Assim fez o professor Samuel Pessôa reclamando por que “propagande­iam-se heterodoxi­as que vendem ilusões”.

Numa entrevista curta e por isso mesmo pouco articulada, o economista Armínio Fraga informou que “o André foi provocativ­o”, reconheceu que esse é “um debate muito especializ­ado” e atirou na testa. Disse que Lara Resende “implicitam­ente sugeriu que (...) sendo mais agressivo com cortes de juros no Brasil, talvez levasse a uma queda da inflação, o problema é que essa sugestão encontrou terreno fértil no Brasil, que adora um atalho”.

Quando a repórter Erica Fraga perguntou-lhe “por que o Brasil adora atalhos”, Armínio desconvers­ou. Falar mal do “Brasil” é um dos tiques nervosos da demofobia.

Armínio Fraga, Samuel Pessôa e o artigo de Lara Resende são mais inteligent­es do que esse tipo de debate. O professor Delfim Netto registrou que “a tribo dos economista­s está inquieta”, nem tanto pelo que Lara Resende disse, mas porque mexeu em coisa que deve ficar fora da agenda: a taxa de juros. Vale reiterar, Lara Resende não defendeu juros baixos mas, como disse Armínio Fraga, “implicitam­ente sugeriu”. E isso não se deve fazer, nem mesmo em artigos incompreen­síveis para a patuleia.

Os piores atalhos são os que flertam com o silêncio. É quase certo que Armínio e Pessôa conheçam essa história, mas vale recontá-la:

Em 1973, a editora Agir deveria publicar uma nova edição do clássico “Introdução à Análise Econômica”, de Paul Samuelson. Lá ele condenava as ditaduras dizendo que, mesmo quando produzem milagres econômicos, eles são transitóri­os. Entre elas, mencionou a ditadura brasileira. A editora não queria publicar a referência e pressionou Samuelson com a ajuda de dois corifeus do liberalism­o econômico nacional, os doutores Eugênio Gudin e Roberto Campos. O atalho do silêncio funcionou, pois Samuelson concordou com a supressão do parágrafo.

Resultado: os jovens americanos que estudaram pela edição americana aprenderam que o Brasil podia quebrar. Os brasileiro­s só viram a quebra em 1982, quando ela aconteceu.

O economista não está apanhando pelo que escreveu, mas porque falou sobre um tema interditad­o

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