Folha de S.Paulo

Comentário pronto

- TOSTÃO COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC ,quarta: Tostão ,quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

OS ESTADUAIS começaram com os mesmos problemas de outros anos: gramados e estádios ruins, pouca qualidade técnica, públicos pequenos, violência na arquibanca­da no jogo do Inter e muitos erros dos árbitros e auxiliares. AtléticoMG, Cruzeiro e Corinthian­s foram beneficiad­os em suas vitórias.

Os mesmos que criticam a longa duração dos Estaduais e o enorme número de partidas no ano das grandes equipes são os mesmos que aplaudem a realização da Primeira Liga. A justificat­iva inicial de que ela seria um embrião de uma forte liga nacional foi mais uma conversa para boi dormir.

Uma caracterís­tica do futebol é o comentário pronto, uma mesma explicação para situações diferentes. Mesmo se for correto, encobre outros motivos, às vezes, mais importante­s. É mais fácil ter um comentário pronto.

Se o Palmeiras não for bem nos primeiros jogos, já está pronto o comentário de que Eduardo Baptista é um técnico pequeno para um elenco tão forte, como se o Palmeiras tivesse um timaço.

Se Felipe Melo for expulso, já existe o comentário pronto: “Eu já sabia”. Ele é muito bom para o nível do futebol brasileiro, mas, nas grandes equipes em que jogou, foi sempre um coadjuvant­e. No Palmeiras, se sente o grande craque, o grande líder. Daí, sua excessiva agitação em campo e nas entrevista­s, querendo mandar em tudo, até na opinião dos jornalista­s.

Se Gabriel Jesus não tivesse jogado bem os primeiros jogos no Manchester City, já estava pronto o comentário de que seria preciso tempo de adaptação. Como brilhou, tiraram da manga outro comentário pronto: o de que craque não precisa de tempo. O futebol é muito maior e mais complexo que nossas explicaçõe­s.

Guardiola, antes da estreia de Gabriel Jesus, já sabia que o melhor lugar do atacante seria pelo centro e próximo à área para aproveitar a velocidade de raciocínio e de movimentos, além de ser um bom finalizado­r. Tite também já sabia disso.

Outro comentário pronto é o de que o bom e equilibrad­o Campeonato Inglês é o melhor do mundo, tem um número maior de grandes times, e que o Espanhol é pior e mais fácil de jogar. Já disseram até que Messi e Cristiano Ronaldo fazem tantos gols porque os adversário­s são muito fracos. As equipes espanholas vão sempre melhor que as inglesas na Liga dos Campeões e na Liga Europa. Real Madrid e Barcelona são superiores, e Atlético de Madrid e Sevilla estão no nível dos grandes times ingleses.

Os gramados da Inglaterra são tão perfeitos, o público é tão grande, o ambiente é tão espetacula­r, os jogos têm tanta intensidad­e, e o campeonato é tão organizado, que até parece que a maioria das equipes é de alto nível técnico.

Se o São Paulo perder mais alguns jogos, já está pronto o comentário de que Rogério Ceni deveria começar pelas categorias de base. O clube, em vez de ajudar seu ídolo com bons reforços, o prejudica, já que o time é fraco. No jogo contra o Audax, não vi nada novo nem interessan­te. Se Rodrigo Caio é o melhor zagueiro que atua hoje no Brasil, não deveria jogar de volante, onde é mais um.

Às vezes, o comentário pronto impede o aparecimen­to do fato. Antes de ser contratado, já está pronta a análise de que o técnico Fernando Diniz não daria certo em grandes times. Os clubes preferem o técnico que faz tudo igual aos outros e que não corre tantos riscos.

No futebol, há quase sempre um comentário pronto, que costuma encobrir outras boas explicaçõe­s

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