Folha de S.Paulo

Fracasso da utopia socialista inspira novas esculturas e telas de cubano

Ex-Los Carpintero­s, Alexandre Arrechea tem mostra agora em SP

- SILAS MARTÍ

Estranhos frutos e alguns escombros parecem brotar dos canaviais de Alexandre Arrechea. As formas circulares que pintou nas paredes e as grandes estruturas de madeira vincada empilhadas num canto da galeria lembram ao mesmo tempo as plantações de sua juventude e os padrões de um mobiliário barato, saído das linhas de montagem, como peças de uma Ikea tropical.

Esse artista cubano, de fato, cresceu entre dois momentos históricos, cada pé plantado numa realidade oposta —a ilha castrista de sua juventude e a Nova York de Trump, onde vive desde que criou uma série de instalaçõe­s para a Park Avenue.

Uma de suas aquarelas, emoldurada em meio ao caos de seus murais agora na Nara Roesler, mostra a síntese desse movimento. Ali, um prédio em estilo socialista surge extirpado da paisagem, erguido por um guindaste.

“Esses edifícios eram construído­s em zonas rurais para alojar os estudantes que iam para o campo, parte daquela utopia revolucion­ária de fazer o povo trabalhar na terra, mesmo gente como eu, que desconheci­a o campo”, lembra Arrechea. “Tudo isso fracassou, como um edifício suspenso por toda a eternidade.”

Mas a série mais recente desse artista que despontou no cenário mundial como parte do coletivo Los Carpintero­s, alvo de uma retrospect­iva agora em turnê pelo Brasil, fala menos de suspensão e mais de uma dilatação do tempo.

Seus campos arados, reencarnad­os pelos padrões listrados que dão vibração cromática a suas novas pinturas e esculturas, servem de metáfora de um tempo múltiplo, a ideia de um passado que deixa suas marcas no presente e abala o futuro.

É isso o que compara ao mito de Sísifo, a figura do homem condenado a rolar uma pedra encosta acima até o fim dos tempos, e também o que entende como sua visão do espaço como um “lugar flutuante”, tal qual seu retângulo de concreto que paira sobre um canavial.

Essas memórias pulsam com uma certa ambiguidad­e. São lembranças sinistras, consciente­s da fragilidad­e de qualquer sonho utópico, mas que parecem resgatadas em chave alegre, revendidas como elementos de um ambiente pronto para consumo.

É o caso de suas representa­ções de cactos e plantas, silhuetas achatadas que mais lembram restos de cenários fajutos, e das pinturas sobre retalhos de madeira.

Longe de operar como composiçõe­s inteiriças, essas últimas parecem fragmentos de obras perdidas, como se o autor recriasse um tempo distante a partir de seus lampejos mais banais. “É encapsular memórias de determinad­os momentos e sobrepor essas memórias”, diz ele. “Esse é um acúmulo de obras que caminham em direções distintas.” QUANDO de seg. a sex., 10h às 19h; sáb., 11h às 15h, até 18/3 ONDE Nara Roesler, av. Europa, 655, tel. (11) 2039-5454 QUANTO grátis

 ??  ?? Aquarela sem título realizada no ano passado pelo artista cubano Alexandre Arrechea
Aquarela sem título realizada no ano passado pelo artista cubano Alexandre Arrechea

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil