Folha de S.Paulo

O acordo certo

- CELSO ROCHA DE BARROS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Celso Rocha de Barros, terça: Mario Sergio Conti, quarta: Elio Gaspari, quinta: Janio de Freitas, sexta: Reinaldo Azevedo, sábado: Demétrio Magnoli, domingo: Elio Gaspari e Janio de Freitas

Sem algum consenso para o ajuste, o Brasil pode ter que escolher entre a Lava Jato e o fim da crise econômica

O BRASIL vive um momento de duro ajuste fiscal, com grande custo para a sociedade, em especial para os mais pobres. E nossos líderes estão envolvidos em detalhadas negociaçõe­s, conversas difíceis em que deixam de lado qualquer partidaris­mo para garantir que um acordo satisfatór­io seja alcançado o mais rápido possível. Só é uma pena que a conversa não seja sobre a crise.

A conversa supraparti­dária em curso é sobre parar a Lava Jato. Aí todo mundo é só bom senso e espírito de conciliaçã­o. Na semana passada, o bloco “Me Anistia que eu Gamo” começou seu pré-Carnaval com a nomeação de Moreira Franco como ministro, continuou com a indicação de Alexandre de Moraes para o STF, gerou expectativ­as com os possíveis nomes para o Ministério da Justiça e anunciou os nomes de sua Comissão de Frente, Constituiç­ão e Justiça. Gilmar Mendes é o autor do samba “Me Prende, Mas Só Até Quarta-Feira”.

Naturalmen­te, a conversa supraparti­dária que deveria estar acontecend­o era outra. E, sem essa conversa, vai ser mais difícil continuar a Lava Jato no mesmo ritmo.

Se quisermos ajudar a Lava Jato a cumprir sua promessa, o que podemos fazer é baixar o custo da instabilid­ade política que as delações vão causar. Podemos fazer isso estabelece­ndo um acordo mínimo sobre o ajuste fiscal, que envolva esquerda e direita e aumente a chance de que a eleição de 2018 não derrube a recuperaçã­o econômica.

Se a recuperaçã­o econômica não depender da continuida­de da rapaziada de sempre no poder, muita gente que está evitando bater no governo (ou na direção dos partidos de oposição) tomará coragem para fazê-lo.

Nada trabalha mais pelo acordão do que a crise. Os empresário­s demonstram indisfarçá­vel tolerância com as articulaçõ­es políticas em curso. É compreensí­vel: há empresário­s (grandes e pequenos) que sabem que vão quebrar se a economia não melhorar logo. E é indiscutív­el que a crise política transformo­u uma crise feia em uma crise horrenda.

Não é que os empresário­s torçam pelos corruptos: eles só querem normalidad­e o mais rápido possível, e isso não é o que a Lava Jato promete para os próximos meses. Milhões de trabalhado­res com medo de perder emprego compartilh­am essa preocupaçã­o.

Mas, se esquerda e direita concordare­m com um programa mínimo que preserve o ajuste fiscal, mas tire educação e saúde do congelamen­to de gastos; que inclua uma reforma da Previdênci­a razoável; que estabeleça níveis de tributação para os ricos típicos de países decentes; nesse caso, podemos garantir a estabilida­de social de que precisamos para sair da crise.

Reduziríam­os o risco de populismo em 2018, e seria mais barato desestabil­izar o bloco no poder antes disso. Não dependería­mos de circunstân­cias incertas, como, por exemplo, alguma autoridade brasileira estar fora da cadeia em dezembro. E, nessa negociação, talvez surgissem lideranças políticas razoáveis para substituir o pessoal que vai em cana.

Feche esse acordo, desamarre o ajuste da turma que está no poder, dilua um pouco o ajuste, se for necessário fazê-lo para alcançar um consenso, e, aí sim, compre pipoca para ver o pessoal caindo. Sem isso, o Brasil pode ter que escolher entre a Lava Jato e o fim da crise econômica. E a culpa será nossa, pois não teremos feito o acordo certo.

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