Disputa política mira casas para o consumo de maconha em Amsterdã
Na virada do ano, oito lojas, chamadas de ‘coffeeshops’, foram fechadas na capital holandesa
Para manter presença de turistas nesses locais, prefeitura fez acordo para fechar casas próximas de escolas
Amsterdã lamentou, no início deste ano, a perda de uma de suas instituições culturais: o Mellow Yellow. A venda e o consumo de maconha eram tolerados ali, como em outras dezenas de casas do gênero na cidade, chamadas “coffeeshops”.
Mas, com sua icônica fachada amarelada, o Mellow Yellow era o mais antigo deles, remontando a 1972. “Era como um templo”, diz Akshay Ramji, 25, garçom em outro “coffeeshop”.
A Holanda tem apertado o cerco a essas casas: oito foram fechadas na virada do ano e, na última década, 41 delas foram obrigadas a encerrar o negócio. Ainda há 167 na ativa.
Diversos “coffeeshops” foram vítimas de uma medida que proíbe a venda de maconha a menos de 250 metros de escolas —o Mellow Yellow estava a 230 metros de um curso de barbeiro.
“Há uma atmosfera conservadora”, diz Jonathan Foster, dono do Grey Area. Foster abriu seu “coffeeshop” 22 anos atrás. Com o fim de dezenas de outras casas, a clientela do Grey Area tem encorpado. Há dois anos, foi necessário contratar um porteiro para controlar o fluxo ininterrupto. Dois garçons dão conta da fila.
Turistas se alinham, na fumaceira, e escolhem entre as variedades disponíveis no cardápio —sabores como banana e chiclete, para ficar sonado ou alerta. É possível comprar um cigarro por cerca de R$ 20.
“O governo aperta os cintos a toda hora”, diz Jacqueline Forsythe, mulher e sócia de Foster. “Não sabemos se eles vão apertar outra vez.”
Há propostas para regulamentar os “coffeeshops”, que ainda operam entre leis opacas. A venda e o consumo de maconha são descritos em holandês como “gedogen”, uma espécie de “vista grossa” das autoridades. A prática não é permitida pela lei, mas tampouco é punida.
Por outro lado, o plantio e o fornecimento estão proibidos. É a chamada “política da porta de trás”, que faz com que os donos de “coffeeshops” infrinjam as regras se quiserem manter seu estoque.
O partido Democratas 66, centrista, propôs recentemente uma lei que regularizaria a situação. O texto deverá ser votado em março. POLÍTICA A Holanda terá suas eleições gerais no mesmo mês, o que poderá determinar o futuro dos “coffeeshops”.
A queda no número dessas casas é um dos indícios da disputa ideológica entre o governo nacional, mais conservador, e a prefeitura de Amsterdã, mais liberal.
O governo decidiu, em 2012, que turistas não poderiam frequentar “coffeeshops”. A medida tinha por objetivo combater o turismo de drogas no país. A prefeitura de Amsterdã, que discorda da abordagem, contestou a regra. Um acordo foi travado —a cidade poderia manter os cafés abertos a estrangeiros desde que fechasse aqueles a menos de 250 metros de escolas.
“Sabemos que isso chateia quem foi afetado”, diz à Folha Jasper Karman, porta-voz da prefeitura. “Tivemos que escolher. Acreditamos ter tomado a decisão certa.”
A prefeitura afirma que a presença dos turistas nesses estabelecimentos é do interesse da cidade. Uma pesquisa de 2012 diz que 25% dos visitantes foram a um “coffeeshop” naquele ano.
“Acreditamos na política dos ‘coffeeshops’. Há educação. A pessoa atrás do balcão pode explicar ao usuário o que fazer e verificar que não é menor de idade”, diz.
“A alternativa era um péssimo negócio para a cidade: comércio ilegal nas ruas e turistas comprando maconha de traficantes que também vendem drogas pesadas.”
Procurado pela reportagem, o Ministério da Segurança e Justiça não respondeu aos pedidos de entrevista ou informações.