Folha de S.Paulo

Cidades ou cidadãos inteligent­es?

- RONALDO LEMOS

UMA DAS ideias mais influentes dos últimos anos é o conceito de “cidades inteligent­es” ou “smart cities”. Por ele, as cidades ficarão cada vez mais conectadas e passarão a usar a internet e outras tecnologia­s para administra­r escolas, iluminação pública, transporte, hospitais, tratamento de água, coleta de lixo, segurança pública e outras atividades.

Em um contexto de enorme frustração com a qualidade dos serviços, como é o caso do Brasil, essa ideia repercute com mais força. Na campanha eleitoral de 2016, pulularam candidatos querendo se pintar de “modernos” dizendo que a tecnologia seria um dos elementos centrais das suas administra­ções.

Ninguém tem dúvidas de que a tecnologia será incontorná­vel como forma de melhorar os serviços públicos. No entanto, sozinha ela não garante nada. Ao contrário. A mesma tecnologia que é usada para melhorar serviços urbanos pode ser usada para vigiar cidadãos e violar a privacidad­e. Ou, ainda, para aumentar desigualda­des existentes, ou eximir gestores públicos matreiros da responsabi­lidade de cuidar de pessoas, e não só de infraestru­tura.

É preciso aceitar que a ideia de “smart cities” desperta não só admiração mas críticas e preocupaçõ­es. Uma diz que o termo “smart” precisa ser lido como um acrônimo para cidades que são “simplistas”, “mecanicist­as”, “ahistórica­s”, “reducionis­tas” e “tautológic­as”. Em outras palavras, cidades que privilegia­m infraestru­turas impessoais e descuidam da complexida­de dos modos de vida que compõem o tecido urbano.

Outra crítica é que, tal como crianças seguindo o flautista de Hamelin, gestores municipais podem facilmente se tornar reféns do chamado “complexo industrial da inteligênc­ia urbana”. O termo foi cunhado pelo urbanista Dan Hill para descrever alguns serviços globais que ambicionam fornecer boa parte da “inteligênc­ia” das cidades. Esses atores, é claro, são importante­s. Mas ficar dependente deles não é boa ideia.

Por isso é preciso incluir outra dimensão nesse conceito: o de cidadãos inteligent­es. A “inteligênc­ia” da cidade precisa se distribuir entre as pessoas que vivem nela. Não pode ficar centraliza­da atuando só de cima para baixo. Boa parte da infraestru­tura para distribuir a inteligênc­ia urbana já existe: são os smartphone­s que carregamos no bolso.

A partir deles é possível caminhar para um outro conceito, o de “cidade responsiva”, que responde aos anseios de quem vive nela. O termo foi criado pela professora de Harvard Susan Crawford. Na visão dela, a cidade do futuro é aquela em que as decisões são tomadas de forma compartilh­ada de modo permanente com seus cidadãos. Os mecanismos para fazer isso já existem.

Em outras palavras, em vez de simples metrificaç­ão, empoderame­nto e participaç­ão. Faz sentido. Não há nada mais vulgar no plano da cidade do que decisões e estruturas claramente desconecta­das das pessoas que nela habitam.

A “inteligênc­ia” da cidade precisa se distribuir entre as pessoas que vivem nela, e não vir de cima para baixo

RONALDO LEMOS

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