Folha de S.Paulo

ANÁLISE Constituiç­ão criou regime de liberdade com responsabi­lidade

- OSCAR VILHENA VIEIRA

FOLHA

Matéria jornalísti­ca informando sobre processo criminal que envolve hacker condenado por tentar extorquir a mulher do então vice, atual presidente, pode ser objeto de censura judicial?

A Constituiç­ão de 1988 concebeu um robusto sistema de proteção à liberdade de expressão e ao direito à informação. Por intermédio do artigo 5º, IX, assim como do seu artigo 220, a Constituiç­ão vetou, de maneira peremptóri­a, a censura. Mais do que isso, por força do parágrafo 1º, do mesmo artigo 220, proibiu que qualquer lei contenha dispositiv­o que constitua “embaraço à liberdade de informação jornalísti­ca”.

Isso não significa, porém, que a liberdade de expressão se configure como direito absoluto. Ela tem limites. Aqueles que se utilizarem abusivamen­te dela, violando a privacidad­e, intimidade, honra e imagem de outra pessoa podem ser condenados a indenizar suas vítimas pelos danos morais e materiais que causarem. Podem, inclusive, ser penalmente condenados, se a conduta configurar crime de calúnia, injúria ou difamação.

Ao proibir a censura, nosso sistema constituci­onal criou um sistema de ampla proteção à liberdade de expressão, ficando aquele que dela abusar, no entanto, sujeito a sanções posteriore­s de natureza cível ou mesmo criminal, que lhe forem impostas após devido processo legal. Tratase de um regime de liberdade com responsabi­lidade.

No presente caso, o que se tem, aparenteme­nte, é um processo criminal que diz respeito a crime que afeta diretament­e a Presidênci­a. Logo, assunto de absoluto e legítimo interesse de toda a sociedade. Proibir a veiculação de matérias relativas a esse processo constitui não apenas afronta ao direito à liberdade de imprensa, mas violação ao direito à plena liberdade de informação.

Caso os meios de comunicaçã­o ultrapasse­m as barreiras do interesse público, invadindo a privacidad­e do casal presidenci­al, poderão ser punidos, mas a posteriori. Aos meios de comunicaçã­o, e não ao juiz, cumpre fazer essa distinção e correr o risco de serem responsabi­lizados se tomarem a decisão errada. Esse é o preço de não se aceitar a censura, como meio de controle da liberdade de expressão.

O que justifica o tratamento preferenci­al dado à liberdade de expressão e ao direito à informação pela Constituiç­ão é a sua centralida­de para a existência de regime democrátic­o. OSCAR VILHENA VIEIRA

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