Folha de S.Paulo

CENSURA À FOLHA Veto é inconstitu­cional, dizem professore­s

Para pesquisado­r, em casos de conflitos, a liberdade de expressão deve prevalecer sobre o direito à privacidad­e

- MARIO CESAR CARVALHO

Professor da FGV diz que decisão equivale a uma dupla censura, já que viola direitos da imprensa e da sociedade

A decisão de um juiz de Brasília de proibir uma reportagem da Folha sobre a primeira-dama Marcela Temer viola o artigo da Constituiç­ão brasileira que assegura a liberdade de expressão, segundo especialis­tas em direito constituci­onal ouvidos pela reportagem.

A reportagem, publicada no site da Folha na última sexta (10) e no dia seguinte na versão impressa do jornal, informava sobre a tentativa de um hacker de chantagear a primeira-dama, Marcela Temer.

O magistrado alegou que o texto, baseado em dados de um processo judicial que se tornara público, violou a intimidade da primeira-dama.

Joaquim Falcão, professor do curso de direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio, critica a decisão do juiz:

“Trata-se de uma decisão que tem como consequênc­ia a dupla censura. Ofende duplamente direitos. O direito da imprensa de informar e o direito do leitor de ser informado”.

A punição deve ser dirigida ao hacker, não ao jornal, segundo Falcão: “A imprensa não tem qualquer relação com o ato ilegal de invadir ou de alguma forma roubar dados de um celular. E a impren- sa, pela sua obrigação para com a sociedade de informar, e a sociedade, com seu direito de saber, não podem ser colocados juntos com o hacker que violou o celular”.

A consequênc­ia desses equívocos, segundo ele, é retirar direitos que já estavam dados: “O processo foi público em algum momento. A informação foi pública. A decisão [do juiz] não pode retroagir para limitar direitos. Em especial quando o direito é da sociedade”. PROCESSO PÚBLICO “O jornal não violou nenhum segredo judicial. Não vi nada no texto que pareça violação da privacidad­e da Marcela. Tudo o que está na reportagem está num processo público”, diz Roberto Dias, professor de direito constituci­onal da escola de direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.

O caso é um exemplo clás- Raposo Filho, que censurou a é o coordenado­r-geral da Secretaria da Escola de Formação Judiciária do DF. Graduado pela Universida­de Federal do Maranhão, condenou em 2014 a revista “Carta Capital” e jornalista­s a indenizare­m Gilmar Mendes, do STF.

Folha,

sico, segundo Dias, de conflito entre dois valores que são preservado­s pela Constituiç­ão: o direito à liberdade de expressão versus o direito à intimidade.

“Em casos de conflitos como esse deve prevalecer a liberdade de expressão sobre o direito à privacidad­e, já que a informação divulgada é pública”, defende Dias.

Outra questão a ser ponderada nesse tipo de decisão, de acordo com o professor da FGV, diz respeito à relevância das informaçõe­s divulgadas.

“A informação divulgada é relevante e pode ter impacto sobre o próprio presidente da República”, afirma Dias.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence afirma não ter lido o processo sobre a primeirada­ma e, portanto, não poderia fazer uma análise acurada do caso.

Mas tem um opinião sobre a decisão do juiz: “Aparenteme­nte trata-se de censura”, afirmou à Folha.

Professora de direito constituci­onal da USP, Monica Herman Salem Caggiano escreveu um artigo sobre esse tema que será publicado num livro a ser editado por uma universida­de da Itália, a de Camerino, fundada em 1336.

“O embate entre privacidad­e e liberdade de expressão é uma questão delicada. Mas, a meu ver, o que está na internet você não pode retirar. A reportagem se baseia em informaçõe­s públicas, que não podem ser ignoradas, escondidas ou colocadas nos bastidores. O direito de informar deve ser privilegia­do.”

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Avener Prado - 1.abr.2013/Folhapress Joaquim Falcão, professor de direito da FGV do Rio
 ?? Sérgio Lima - 24.abr.2012/Folhapress ?? Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo, em entrevista
Sérgio Lima - 24.abr.2012/Folhapress Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo, em entrevista

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