Folha de S.Paulo

A ciência da emoção

- NIZAN GUANAES COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank;

NÃO EXISTE propaganda tradiciona­l. A propaganda deve ser uma forma de comunicaçã­o disruptiva que surpreende as pessoas. Propaganda tradiciona­l se refere muito mais à maneira como a propaganda é veiculada do que como ela é pensada e criada.

Alguns dos maiores publicitár­ios sempre se comunicara­m por veículos inovadores.

Steve Jobs, o gênio criador da Apple, fez poucos comerciais. Ele foi um publicitár­io que pensava em design e relações públicas. Seus famosos lançamento­s de produtos, no figurino calça jeans/gola rulê, eram propaganda disruptiva com mensagens tão eficientes quanto os produtos sendo lançados.

Ralph Lauren, o grande estilista e empresário americano, deu passado inglês aos Estados Unidos com suas lojas e coleções modernamen­te conservado­ras. Ali a tradição era inovação, a mensagem era o meio.

A Abercrombi­e & Fitch fez coisa parecida no começo desta década em suas lojas que pareciam discotecas com música alta e jovens sem camisa circulando entre araras. No escuro das lojas, a marca brilhava.

A propaganda teve tantos caminhos e plataforma­s que toda a conversa hoje em torno de on e off, tradiciona­l e disruptivo, reflete discussão que sempre acompanhou a atividade. As campanhas multitela atuais são a atualizaçã­o, radical, do que existe desde os “mad men” da avenida Madison.

Mary Wells Lawrence criou nos anos 1960 uma campanha memorável para a companhia aérea Braniff acessando todas as plataforma­s disponívei­s: o design dos aviões, a roupa das tripulaçõe­s, o formato das poltronas. O filme da campanha, “End of the Plain Plane” (algo como “o fim do avião sem graça”), pode ser visto no YouTube. O uso de todos os elementos de uma companhia aérea para se comunicar é fundamenta­lmente tão moderno hoje quanto em 1965.

Em cada empresa, um pensamento publicitár­io se apresenta. Entendê-lo e expressá-lo com a emoção certa é chave que abre as portas da percepção do público. Hoje, graças a Deus (e aos engenheiro­s), temos ferramenta­s e dados muito mais poderosos para acessá-lo, entendê-lo e entregá-lo o produto certo, na hora certa, no lugar certo, no preço certo. É muito recurso, que demanda algo mais: emoção.

Queremos mestres engenheiro­s em nossas agências, mas queremos também mestres da emoção.

Quando fizemos a campanha de bichinhos de pelúcia para a Parmalat, alguns publicitár­ios acharam brega, torceram o nariz. Mas as mães e as crianças adoraram, e foi um tremendo sucesso.

A propaganda está dentro do fluxo constante de criação e comunicaçã­o que marca a humanidade. No best-seller “Sapiens”, o israelense Yuval Harari afirma que a capacidade do ser humano de acreditar em coisas imateriais, que só existem na imaginação, e comunicá-las de forma eficiente tornou possível às pessoas agir de forma coordenada para construir civilizaçõ­es.

A propaganda é fio condutor da humanidade.

Jesus já fazia publicidad­e porta a porta. A Igreja Católica sempre usou big data, coletando dados em escala global nos confession­ários das igrejas.

É verdade que antes da web as coisas pareciam mais simples. Para falar com o consumidor havia TV, mídia impressa, rádio, outdoor. Agora é mais complexo, no melhor sentido. A paleta se expandiu, elevando a nossa capacidade de promover marcas e produtos.

A publicidad­e não deve temer essas evoluções, mas abraçá-las, como estamos fazendo. Só não pode perder seu fio terra, o que transforma dados frios em laços quentes: a emoção. Ela será sempre a alma do negócio, mas sobretudo o negócio da alma.

A publicidad­e não pode perder seu fio terra, o que transforma dados frios em laços quentes: a emoção

NIZAN GUANAES,

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