Folha de S.Paulo

A mesada e a crise

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

RECEBI UMA longa mensagem de uma leitora e o assunto que ela pede para conversarm­os pode interessar a muitas famílias. Ela contou que o marido e ela perderam o emprego nesta crise. Ele, porém, conseguiu retornar ao mercado rapidament­e, mas recebendo honorários bem mais baixos do que antes.

Ela aproveitou a oportunida­de para pensar nos filhos e decidiu entrar em um empreendim­ento com três amigas para trabalhar em casa, mais próxima deles, que têm 9 e 11 anos. Ela disse que o negócio está caminhando, mas que por um tempo vai receber pouco.

Ela acha que os filhos já têm idade para entender o que é crise econômica e participar da mudança de orçamento da família e, para tanto, realizou algumas mudanças na vida deles.

Uma delas foi suspender a mesada, que eles usavam para comprar o que gostam de comer na lanchonete da escola, e instituiu valores para que eles recebam quando realizam pequenos trabalhos domésticos. Conversou com eles e explicou que isso é para que aprendam como é difícil para os pais ganhar dinheiro. Também informou que eles passarão um tempo sem viajar, receber presentes e comprar coisas desnecessá­rias.

Mas —e aí é que está a questão dela— parece que os filhos não se importaram em ficar sem dinheiro, porque, até agora, nenhum dos dois realizou qualquer tarefa em casa.

Primeirame­nte, vamos falar da mesada que os pais dão aos filhos. Esse é um bom recurso para usar com crianças que já frequentam o ensino fundamenta­l, mas só funciona se o valor que receberem for para ser aplicado em algo que eles realmente precisam. Se as crianças levam lanche de casa para a escola, não há motivo para ter mesada para usar na cantina.

Se os pais querem que os filhos aprendam a se organizar com o dinheiro, precisam suspender o lanche caseiro e dar a eles uma mesada que lhes permita comprar o lanche na escola. Além disso, precisam também tutelar, dia a dia, o gasto deles para que aprendam, na prática, a usar o dinheiro de modo a poder comprar lanche nos cinco dias da semana. Mesada sem objetivo claro só estimula o consumismo nas crianças, e já sabemos que isso não é nada bom para a formação delas.

Agora vamos conversar sobre uma questão delicada, já que muitos pais costumam praticá-la, incentivad­os, inclusive, por alguns profission­ais, que é o costume de pagar para que os filhos realizem tarefas domésticas.

Será que é bom ensinar aos filhos que um comportame­nto pode ser comprado? Pois é isso que ensinamos a eles quando oferecemos presentes, guloseimas ou dinheiro, dados como condição para alguma atitude ou comportame­nto deles. Se for bem na escola, vai realizar a viagem dos sonhos ou ganhar o brinquedo que tanto queria; se for obediente, vai receber alguma recompensa; a cada dia em que arrumar a cama, vai ganhar algum valor em dinheiro, e assim por diante.

Precisamos, isso sim, é ensinar que, em casa, todos devem colaborar com a família, de acordo com as possibilid­ades que cada um tem. Precisamos ensinar também que escolhemos qual atitude tomar ou como nos comportar, e que arcamos com as consequênc­ias de nossas escolhas.

E tudo isso podemos ensinar sem recompensa­s materiais envolvidas, não é verdade?

Será que é uma boa ideia ensinar aos filhos que um comportame­nto pode ser comprado?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil