Doença ainda assusta moradores de cidade vizinha
ENVIADA ESPECIAL A FRANCISCÓPOLIS (MG)
Rodeada por alguns dos principais municípios afetados pelo surto de febre amarela, a pequena cidade de Franciscópolis, no interior de Minas, tem chamado atenção por não ter, até agora, um só registro suspeito da doença.
Com 5.700 habitantes, a maioria na zona rural, o município é hoje como uma “ilha” cercada por municípios atingidos, caso de Malacacheta, Poté, Itambacuri e Água Boa. Também é próximo de outros afetados, como Ladainha, que lidera em número de casos e mortes confirmadas da doença no país.
“Estamos no meio do fogo cruzado, mas não tivemos nenhum caso até agora”, diz o secretário municipal de Saúde, Alexandro Gonçalves.
Também não houve registro de pacientes do local atendidos em outras cidades.
Parte da explicação para essa ausência de casos pode estar em ações adotadas meses antes pela enfermeira e coordenadora de Vigilância em Saúde, Kênia Moreira.
No fim de setembro, ela ouviu alguns moradores da comunidade Quebra Coco se queixarem que macacos da região estavam “desaparecendo” das matas.
“Foi quando uma moradora me disse: ‘Eles estão sumindo. Meu marido acha que estão morrendo, porque encontrou alguns mortos. Mi- Casos em investigação ou confirmados* Ladainha Poté Itambacuri Teófilo Otoni Setubinha Malacacheta Água Boa Franciscópolis 1 0 Raio-x de Franciscópolis 5.708 717 km² Eduir Camargos Almeida (DEM) 59% nha vizinha encontrou outros dois na beira do rio’. Na hora, percebi que tinha alguma coisa errada”, relata.
Ao visitar Ribeirão da Santa Cruz, outra comunidade, mesmo aviso. “Os moradores suspeitavam que podia ser envenenamento, fome, sede. Mas não podia ser, porque eram muitos”, conta.
Veio então a suspeita: febre amarela. Desconfiada, alertou a Superintendência Regional de Saúde de Teófia lo Otoni em busca de reforço para analisar os animais.
As amostras obtidas, no entanto, foram consideradas insatisfatórias —os macacos encontrados estavam mortos havia mais de 48 horas, o que inviabilizou a análise.
Mesmo sem confirmação, a suspeita levou o município a intensificar o alerta na zona rural sobre mortes de macacos e a vacinar moradores das duas comunidades onde foram encontrados casos.
Em outubro, cerca de 200 pessoas já haviam sido imunizadas. No início de janeiro, novas comunidades informaram mortes —a vacinação foi estendida para essas localidades e para áreas de divisas.
Ao mesmo tempo, cidades próximas e de outras regiões do Estado começavam a reportar os primeiros casos humanos e mortes. Hoje, o surto é tido como o pior já registrado no país desde 1980. ÚNICO A AVISAR Transmitida pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes, a febre amarela silvestre é considerada endêmica no país em áreas de mata.
A morte de primatas, assim, serve de alerta para identificar locais onde está ocorrendo a circulação do vírus e o risco de casos em humanos.
Segundo a superintendente de Vigilância Epidemiológica de Minas Gerais, Deise dos Santos, Franciscópolis foi o único município do Estado informar a ocorrência de epizootias (morte de macacos) no 2º semestre de 2016.
“Temos usado o dado de Franciscópolis para dizer que no momento em que se identifica uma epizootia, deve-se notificar e intensificar a vacinação. Foi o que fizeram, e não estão tendo casos.”
Municípios do entorno reclamam que o alerta enviado à regional de saúde não foi passado às demais prefeituras. “Se já sabiam do risco, por que não avisaram os outros? A mata não tem divisas”, diz um representante de uma cidade próxima, que pede para não ser identificado.
Questionada, a Secretaria de Saúde de Minas diz que o caso foi notificado à regional, “que repassa a informação aos municípios”. A Folha não conseguiu contato com a regional de saúde. Segundo Santos, a avaliação à época era de que havia problema “localizado”. “Foi uma situação circunscrita àquela região.”
DA ENVIADA A LADAINHA (MG)
“Ver tanta gente morrer assim eu nunca tinha visto”, diz José Francisco Ferreira, 33, morador de uma comunidade rural no município de Ladainha, interior de Minas.
Em uma só semana, o lavrador perdeu o primo e três vizinhos do distrito de Concórdia do Mucuri para um surto que se espalhou rapidamente. Dias depois, ele mesmo ficou de cama, prostrado, até procurar um hospital. Estava com febre amarela.
Hoje, recuperado, lembra dos últimos dias como se tivesse lutado contra um inimigo invisível. “Falam que foi um mosquito que estava contaminando as pessoas”, diz.
Um mês após ter vindo à tona o alerta do pior surto de febre amarela no país desde 1980, moradores de Ladainha ainda tentam entender a doença que atingiu ao menos 26 pessoas no município, com 11 mortes confirmadas —há ainda outros 79 casos e 10 mortes em investigação.
No Estado todo, o número é ainda maior: 205 casos confirmados (com 69 mortes) e 757 em investigação. Também são investigados casos no ES, BA, SP e TO, segundo o Ministério da Saúde.
“Vivemos um período de inferno. E agora parece que estamos no céu”, diz o diretor clínico do hospital da cidade, Felipe Vieira Campos.
Segundo ele, o município agora começa a dar sinais de retomar o controle: há quase duas semanas, não atende novos casos suspeitos.
A expectativa é que o reforço na vacinação dos moradores, cujo índice vacinal era mínimo (a prefeitura não sabe informar o percentual), tenha bloqueado o avanço nos registros. Ainda assim, o clima na cidade é de apreensão.
“Ainda não podemos dizer que o surto acabou”, afirma o secretário municipal de Saúde, Fábio Peres.
Para ele, o risco de novos casos ocorre principalmente entre aqueles que resistiram a tomar a vacina e moradores de áreas mais distantes.
Apesar da aparente trégua, a cidade ainda tenta se recuperar do surto que assolou a região —e avança em outras do Estado. “Ainda estou em choque”, diz a servente Epifânia Batista, 53, que perdeu o irmão, Antônio Alves da Silva, 60, para a febre amarela.
Fora das casas da zona rural, o município viu outro espaço ficar vazio. Antes, era comum ver e ouvir macacos. Agora, a maioria desapareceu. O silêncio assusta o agricultor Pedro Gomes, 41, recuperado da febre amarela e que se prepara para retomar a rotina na roça. “Quando tinha trovão, eles eram os primeiros a dar sinal. Agora ninguém ouve mais.” (NC)