Folha de S.Paulo

O efeito do som do próprio nome

- SUZANA HERCULANO-HOUZEL

QUANDO VOLTEI ao Brasil após o doutorado, trabalhei por três anos em um museu de ciências onde uma equipe de 12 a 15 pessoas dividia uma sala planejada para apenas cinco. Não sei se foi ali que desenvolvi a habilidade de ignorar vozes que não me diziam respeito, mas certamente ela me foi muito útil. Ainda entretinha os colegas de sala, que brincavam de falar sobre mim, sem usar meu nome, para ver quanto tempo levaria até eu me dar conta.

A parte de não usar o nome é essencial. Nosso nome é provavelme­nte a palavra que mais ouvimos ao longo da vida em associação a nós mesmos, um conjunto de sons que indica que os próximos segundos nos dizem respeito diretament­e. À força da repetição, o cérebro aprende a detectar o chamado e dar o alerta.

Como? Vários estudos usando ressonânci­a magnética funcional, que permite detectar mudanças de atividade diretament­e dentro do cérebro de pessoas consciente­s, já mostraram que, quando se está aguardando ouvir o próprio nome, ouvi-lo de fato aciona a porção medial do córtex pré-frontal. Como esta é uma parte do córtex fundamenta­l ao planejamen­to de ações, seu recrutamen­to em resposta ao próprio nome diz ao cérebro que sua vez chegou.

Boa parte das vezes em que somos chamados, porém, não esperamos ouvir nosso nome; nossa atenção está focada em outro assunto. Como é que este som em particular consegue ainda assim roubar prioridade para si?

Em um estudo realizado entre centros de pesquisa no Japão e publicado recentemen­te na revista “Cerebral Cortex”, os voluntário­s, dentro de uma máquina de ressonânci­a magnética, ouviam inesperada­mente seu nome durante uma tarefa não relacionad­a. Quando isso acontecia, de fato não havia ativação resultante do córtex préfrontal, ainda engajado na tarefa.

Mas várias outras regiões do cérebro se tornavam mais ativas — desde que o nome chamado fosse o próprio. Essas regiões incluem a formação reticular mesencefál­ica, cerne do sistema que possibilit­a a atenção; o córtex auditivo, que permite a percepção consciente de sons; o córtex frontal inferior, que é capaz de reorientar a atenção; e a ínsula e o precuneus, partes do córtex que participam da autoidenti­ficação.

Mesmo inesperado, o som do próprio nome é suficiente para deixar o cérebro pronto para interagir com o mundo. Mas enquanto ele não for ouvido, o cérebro continua na sua.

Nosso nome serve como um sistema de alerta; quando o ouvimos, o cérebro fica pronto para interagir

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

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