Folha de S.Paulo

CRÍTICA Livro adianta traços da obra futura de Bolaño

Apesar desse prenúncio, falta a ‘O Espírito da Ficção Científica’ linguagem pungente que o chileno amadurecer­ia

- JOCA REINERS TERRON

FOLHA

No prefácio original de “O Espírito da Ficção Científica”, não incluído na edição brasileira, Cristopher Domínguez Michael procura minar a desconfian­ça dos leitores em relação ao baú sem fundo de obras póstumas de Roberto Bolaño (1953-2003).

“No caso de Bolaño”, defende, “atribuir sua sorte ao marketing é não tê-lo lido”.

O livro, concluído em 1984, fornece diversos sinais que levam a pensar que a forma literária do autor chileno é tudo, menos comercial.

Fragmentár­io, interrompi­do e justaposto (nem sempre com habilidade), o romance pulsa através da dicção do poeta que Bolaño sempre afirmou ser, em vez de ser movido pelo ritmo incessante do narrador de obras posteriore­s como “Estrela Distante” (1996) e “2666” (2004).

Em Bolaño a sumarizaçã­o típica da trama, uma técnica narrativa, cede lugar ao arrolament­o surrealist­a, em listagens às vezes aleatórias.

Exemplo: “Finalmente, no terceiro andar, ao qual se sobe pelo quarto de ferramenta­s, encontramo­s um equipament­o de radioamado­r e uma profusão de mapas esparramad­os pelo chão, uma pequena emissora que transmite em FM, um equipament­o de gravação semiprofis­sional, uma série de amplificad­ores japoneses etc.”

Outro aspecto de sua obra é a cosmogonia expansiva, como se impulsiona­da por um bigue-bangue.

É possível reconhecer em “O Espírito da Ficção Científica” o gérmen de “Os Detetives Selvagens” (1998). Estão ali a dupla de poetas noviços, “alter egos” do autor, agora nomeados Remo Morán (também protagonis­ta de “A Pista de Gelo”, de 1993) e Jan o que é o mesmo que dizer que lhe falta literatura, ao menos aquela tão pungente de sua obra futura. JOCA REINERS TERRON

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