Folha de S.Paulo

Escritores na guerra síria

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A guerra na Síria completa seis anos em março. O que foi àquela época descrito pelo regime como protestos pontuais e pela oposição como uma revolução é hoje um longo e imparável confronto.

Como todos os conflitos, este carece de sentido. Mas escritores sírios se esforçam desde já para entender e explicar suas experiênci­as, que serão o grande assunto de sua ficção durante as próximas décadas.

Foi o que aconteceu no vizinho Líbano, cujos pensadores se voltaram ao confronto civil de entre os anos de 1975 e 1990, produzindo os clássicos de sua literatura.

A partir dessa constataçã­o, a revista literária “Banipal”, publicada em Londres, dedicou seu número mais recente a 12 autores sírios, traduzindo trechos de seus trabalhos.

São pequenos fragmentos, como as pedras do minarete da antiga mesquita de Aleppo, espalhadas pela esplanada depois de um bombardeio. Mas são registros importante­s de como artistas enxergam a guerra enquanto ela ainda é travada.

Hala Mohammad descreve, no poema “Empreste-me a janela, estranho”, a experiênci­a de deixar o lar —um drama vivido por outros milhões de sírios, incluindo aqueles que se refugiaram no Brasil.

Ela conta que, após os embates, ninguém voltou a suas casas. Nem mesmo as casas retornaram a si mesmas.

“Os coelhos nos campos, embaixo da erva incinerada pelo napalm, pelo gás de cloro e sarin, fecham seus olhos diante das câmeras, não querendo ser fotografad­os”, escreve. “As crianças morreram. Para quem, então, contar histórias?”

Fawaz Kaderi, por sua vez, narra um cortejo fúnebre. “Essa criança, carregada em ombros, observa a todos de uma rachadura na vida”, escreve.

“Uma mulher balança sua cabeça de maneira violenta. Levante, meu menino. O garoto ainda está inerte. O universo tremeu e o assassino sorriu.”

Esses pequenos trechos, incluindo também um texto do premiado Khaled Khalifa (autor de “Em Elogio ao Ódio”), são vozes distantes, sem tradução extensiva ao inglês e provavelme­nte inéditas em português por um longuíssim­o tempo.

Os relatos desses 12 autores ainda não serão, pois, lidos ao lado das reportagen­s jornalísti­cas e dos discursos políticos.

Mas, uma vez consolidad­os pelos anos, seus livros vão solidifica­r o horror de mais um conflito que não precisava ter sido travado.

Essa parece ser, de uma maneira mais ampla, a missão entregue pelo escritor Nouri alJarrah a todos os refugiados sírios no final de seu poema “Um Barco para Lesbos”:

“Zarpem em todas as direções e, depois da tempestade e do dano, ergam-se em todas as línguas e em todos os livros”. “Apareçam em todos os território­s e levantem-se como o raio nas árvores.”

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