Folha de S.Paulo

Vazamentos geram atrito entre Trump e inteligênc­ia dos EUA

Após dizer ‘amar’ agências de espionagem, como a CIA, presidente muda o tom e pretende fazer revisão do setor

- ISABEL FLECK

Para especialis­tas, há dúvidas sobre a necessidad­e de segredo imposto a informaçõe­s reveladas à imprensa

No dia seguinte à posse, Donald Trump escolheu a sede da CIA para sua primeira aparição pública, onde disse “amar” e estar “1.000%” com a inteligênc­ia dos EUA. A ideia era tentar contornar o mal-estar gerado após um relatório da agência indicar, em dezembro, que a Rússia interferiu nas eleições para ajudá-lo.

O tom elogioso, porém, não durou muito. Após vazamentos de informaçõe­s sigilosas à imprensa nas primeiras semanas, Trump partiu para o confronto com a inteligênc­ia e disse que os autores das ações “criminosas” pagarão um “alto preço”.

“O verdadeiro escândalo aqui é que informação confidenci­al tem sido distribuíd­a pela nossa ‘inteligênc­ia’ como se fossem doces”, escreveu Trump, após a queda de seu conselheir­o de Segurança Nacional, Michael Flynn.

O general renunciou depois de ter sido revelado que ele conversou sobre sanções com o embaixador russo nos EUA antes da posse.

A promessa de caçar os autores dos vazamentos —que, segundo Trump, seriam partidário­s de Obama que permanecer­am nos cargos— já começou a se materializ­ar.

Nesta semana, o “New York Times” divulgou que Trump planeja trazer Stephen Feinberg, cofundador do fundo americano Cerberus, para fazer uma “revisão” das agências de inteligênc­ia.

Para especialis­tas ouvidos pela Folha, o presidente tem direito de contestar os vazamentos, mas há dúvidas sobre se tudo o que vazou à imprensa deveria ser classifica­do como confidenci­al.

“Vazar informaçõe­s confidenci­ais é crime, mas há uma série de coisas marcadas como confidenci­ais que não deveriam ser”, afirma o especialis­ta Joseph Young, da American University.

“Há uma diferença entre o que é tema sensível —que pode tornar os EUA menos seguros— e o que é confidenci­al —cujo vazamento não é um grande problema.”

Gary Schmitt, do think tank conservado­r American Enterprise Institute, considera ilegal tanto o vazamento das informaçõe­s sobre o telefonema de Flynn ao embaixador russo como a gravação.

Para ele, o presidente tem o direito de ir atrás dos autores dos vazamentos e processá-los. “A pergunta que Trump tem que se fazer é se, ao fazer isso, vai romper com a comunidade de inteligênc­ia, da qual ele precisa para ter sucesso”, diz Schmitt. “O problema é que ele não acredita que precise dela.”

Se Trump tem receio da inteligênc­ia, a recíproca se aplica também. Segundo o “Wall Street Journal”, funcionári­os de inteligênc­ia teriam revelado que informaçõe­s sensíveis não estariam sendo repassadas ao presidente por medo de que sejam vazadas. O diretor da CIA, Mike Pompeo, indicado por Trump, negou.

Para Stephen Slick, diretor do Projeto de Estudos de Inteligênc­ia da Universida­de do Texas, esconder informaçõe­s do presidente seria “contrário à lei” —o que ele diz duvidar que esteja ocorrendo. “Nossa inteligênc­ia existe para servir à necessidad­e de informação do presidente.”

Porém, se Trump continuar ameaçando a comunidade de inteligênc­ia, afirma Young, é possível que essa relação piore. “O efeito é que os funcionári­os continuem não se reportando ao presidente.”

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J. Scott Applewhite - 18.jan.2017/Associated Press Scott Pruitt, novo diretor da agência ambiental dos EUA, após uma audiência no Senado

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