Folha de S.Paulo

Trump vai ajudar ou prejudicar o Brasil?

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

“O ERRO da maioria dos analistas foi ouvir Donald Trump literalmen­te, mas não seriamente. O correto seria ouvi-lo seriamente, mas não literalmen­te.” Essa é a melhor definição que ouvi sobre o presidente dos EUA.

Neste primeiro mês desde a posse de Trump, o que não faltou foram simbologia­s e movimentos que podem mudar seriamente o mundo tal qual o conhecemos. Mas ainda é cedo para saber se o que foi anunciado vai acontecer, literalmen­te.

Trump ainda não percebeu que a fase dos discursos de campanha já passou e que mudanças profundas exigem habilidade­s que vão muito além do universo controlado por um bom presidente-executivo de empresas. É preciso um líder que saiba administra­r o processo político, no país e no exterior, tarefa nada fácil.

O eixo central das mudanças propostas por Trump são os EUA abandonand­o a posição de guardiões da ordem liberal do planeta. Alguns dizem que estamos assistindo ao colapso do multilater­alismo da ONU, da OMC, do Banco Mundial e do FMI. Ou do megarregio­nalismo da Otan, da OCDE, da União Europeia e das Parcerias Transatlân­tico e Transpacíf­ico. Ou seja, o desmonte das instituiçõ­es que dominaram o mundo após a Segunda Guerra Mundial.

Não há dúvida de que caminhamos para um mundo bem mais fragmentad­o e protecioni­sta, marcado por barganhas pautadas unicamente pelo interesse individual. Nesse mundo, tudo pode mudar: comércio, investimen­tos, segurança, combate ao terrorismo, mitigação das mudanças do clima.

Mas, no Brasil, a grande questão é do momento é saber se o país será beneficiad­o ou prejudicad­o pelas medidas anunciadas por Trump.

Numa visão imediatist­a, não resta dúvida de que algumas medidas podem beneficiar o Brasil:

A saída dos EUA da Parceria Transpacíf­ico (TPP), bloco que geraria grande desvio de comércio e investimen­tos em favor daquele país. De fato, a TPP foi concebida para ser o maior bloco econômico do planeta, e nós estávamos de fora.

A possibilid­ade de maior proteção dos EUA contra países como China e México. No agronegóci­o, por exemplo, o México importa grandes volumes de milho e carnes dos EUA. O Brasil poderia substituir os EUA como fornecedor desses produtos.

A China é o principal parceiro do Brasil e dos EUA no agronegóci­o. Uma escalada protecioni­sta entre os dois países poderia beneficiar as exportaçõe­s do Brasil para a China.

As restrições à migração e o combate aos trabalhado­res ilegais tendem a encarecer o custo de produção nos EUA, principalm­ente nas atividades intensivas em mão de obra.

No entanto, outras medidas anunciadas por Trump podem prejudicar o Brasil. Um exemplo é o ciclo de investimen­tos em infraestru­tura que os EUA querem lançar, que vai competir pela atração de capitais externos para esse setor no Brasil.

Mas temos de olhar com atenção para as ameaças de longo prazo. Se o neoproteci­onismo simbolizad­o pelo “America First” (leiase: o mercado americano para os americanos) for intenso e generaliza­do, ele pode gerar uma espiral viciosa de retaliaçõe­s e compensaçõ­es em escala global. Um ambiente de extremo mercantili­smo, que já se repetiu várias vezes no passado, de Roma ao sistema feudal, das grandes navegações ao entreguerr­as dos anos 1930.

Nesse contexto, viveríamos uma nova fase de “toma lá da cá” altamente politizada, com efeito devastador sobre a estrutura das cadeias globais de valor. Usando uma analogia simples: numa briga de elefantes —tipo EUA vs. China— marcada por toda sorte de retaliaçõe­s e compensaçõ­es, quem acaba apanhando é a grama, no caso o Brasil.

Por isso, a principal questão não é saber se vamos ganhar ou perder nesse novo ambiente. É preciso, sim, ampliar as relações de interdepen­dência com países que possam nos ajudar a escapar dessa velha tempestade desregrada, hoje rebatizada de “desglobali­zação”, que nada mais é que um novo nome para populismo, isolacioni­smo, xenofobia, protecioni­smo.

Numa visão imediatist­a, sim, mas precisamos olhar o longo prazo para escapar da xenofobia e do isolacioni­smo

MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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