Folha de S.Paulo

Projeto na Austrália reduz casos de dengue em 86%

Estratégia usou dados de pacientes para criar mapas de infestação do

- GABRIEL ALVES

Pesquisado­res também aplicaram inseticida de longa duração nos locais identifica­dos em cidade no norte do país

Um programa de combate à dengue baseado nas informaçõe­s dos pacientes infectados e na aplicação de inseticida conseguiu o notório índice de 86% de redução de casos na cidade de Cairns, no norte da Austrália.

O trabalho foi apresentad­o à imprensa no encontro anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS, na sigla em inglês), em Boston, e publicado nesta sexta (17) na revista “Science Advances”.

O segredo, segundo os cientistas, é o bom uso da informação fornecida pelos pacientes. No formulário de notificaçã­o da dengue às autoridade­s, preenchido pelo médico, consta também um telefone para contato.

O programa previa que, após a confirmaçã­o do diagnóstic­o, um enfermeiro ou agente de saúde ligaria para o paciente e tentaria resgatar os lugares onde ele passou mais tempo nos dias que antecedera­m o início dos sintomas.

Quando um local era associado a múltiplos casos, uma equipe da cidade fazia uma aplicação de um tipo de inseticida que tem efeito residual de longa duração, a molécula lambda-cialotrina, da classe dos piretroide­s.

O alvo é o Aedes aegypti, principal vetor da doença e altamente adaptado a centros urbanos. Os cientistas apontaram que, se houvesse resistênci­a dos insetos a essa classe de inseticida­s, ainda seria possível recorrer a outras, como a dos carbamatos.

A proporção de pessoas infectadas em locais de risco (“hotspots”) era de 37% em áreas não tratadas. Depois da aplicação do inseticida, caiu para 5%. Nos pontos onde houve aplicação, a incidência permaneceu baixa por mais de cem dias.

A substância foi aplicada em locais mais escuros, onde provavelme­nte os mosquitos se escondem, afirma o autor do trabalho Scott Ritchie, da Universida­de James Cook, na Austrália.

Alguns esconderij­os possíveis são embaixo de móveis, dentro de armários, cantos pouco iluminados, adjacência­s de muros e paredes úmidas. A aplicação do inseticida leva de 20 a 30 minutos e também é feita em todos os imóveis em um raio de 100 m do ponto identifica­do pelo programa.

Um dos problemas do método, afirma Gonzalo Vazquez-Prokopec, cientista da Universida­de Emory e autor do estudo, é o custo do inseticida —mais caro que os demais—e de pessoal treinado para aplicá-lo, já que a ação prevista leva mais tempo.

Outro porém é que seria inviável fazer o mesmo em uma cidade do tamanho de São Paulo, diz Vazquez-Prokopec. “Pode ser possível desenvolve­r, após uma análise adequada dos dados, uma abordagem em áreas de alto risco, onde há historicam­ente uma alta incidência de dengue”, disse à Folha.

Mesmo na cidade de Cairns, que tem cerca de 150 mil habitantes, os agentes não conseguira­m fazer a aplicação em todos os locais planejados. Vazquez-Prokopec afirma que ainda é necessário mais investimen­to em pesquisa para que essas e outras medidas de combate ao vetor consigam ser aplicadas em larga escala. Uma das metas é reduzir o tempo médio de aplicação para dez minutos.

Um outro projeto no qual Richie está envolvido é o uso da bactéria Wolbachia para controlar a proliferaç­ão dos Aedes. O mosquito infectado por ela tem sua capacidade reprodutiv­a piorada e também passa a bactéria para a prole.

Para os autores, o futuro do combate às arbovirose­s como dengue, zika e chikunguny­a terá uma integração de métodos que vão desde o controle do vetor e dos focos até a vacinação da população.

Eles não deixam de puxar brasa para sua sardinha, claro: a intervençã­o obteve um índice de até 96% de proteção, dependendo de como é feita a análise. Os testes com vacinas mostram uma proteção de cerca de 70%, nos melhores casos, para alguns sorotipos do vírus da dengue. No caso da zika, as vacinas ainda estão em estágio inicial de desenvolvi­mento..

As ações ocorreram entre 2008 e 2009 mas só foram analisadas recentemen­te, graças a um financiame­nto obtido por Vazquez-Prokopec.

Segundo ele, existe uma heterogene­idade na distribuiç­ão e na dinâmica de surgimento de novos casos —e esse seria um ponto chave no combate às epidemias. As ações de combate poderiam ser menores, mais cirúrgicas e com um efeito maior, se houvesse estudo adequado.

Como Cairns se tornou uma espécie de “hub”, ou distribuid­or, da doença, para cidades vizinhas menores, ações direcionad­as teriam impacto maior do que só a redução da incidência local.

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