Folha de S.Paulo

Obra rara traz de volta glórias e brigas do Império Serrano

- ALVARO COSTA E SILVA

FOLHA

Publicado em 1981, “Serra, Serrinha, Serrano: o Império do Samba” tornou-se uma raridade disputada a tapa nos sebos. Nos ensaios na quadra ao lado da antiga estação de Magno, em Madureira, Rachel Valença, autora com Suetônio Valença, cansou de ouvir: “Rachel, cadê o livro?”

Pois “o” livro sobre o Império Serrano está de volta às livrarias. Em complement­ação à parte já escrita, que abrange 33 Carnavais e reaparece revista e atualizada, soma-se uma nova, com outros 36 desfiles, de 1982 a 2017.

No meio do samba, o Império é conhecido como “menino de 47”, em referência ao ano de sua fundação e sua juventude em relação a Portela e Mangueira, que dominavam os desfiles.

Ao nascer de um racha no Prazer da Serrinha, escola tradiciona­l mas de resultados inexpressi­vos, a nova agremiação de cores branca e verde tornou-se logo campeã, desbancand­o a vizinha Portela. Surge a rivalidade histórica.

Por trás da façanha, estava a força de um sindicato de estivadore­s e o desejo de liberdade dos jovens sambistas do morro da Serrinha.

A vitória em 1948 —a que se seguiriam as de 49,50 e 51 — quase escapa. Contadas as notas, deu Império. Mas uma estreante levar o Carnaval? Um representa­nte do departamen­to de turismo sugeriu alterar a classifica­ção, dando o primeiro lugar à Mangueira e o segundo, à Portela.

Ary Barroso, que presidia o júri, reagiu indignado, e o julgador Irênio Delgado correu para entregar o resultado ao locutor Heron Domingues, que desmontou a farsa.

Não seria a única vez que Ary cruzaria o caminho da escola. Em 1964 Silas de Oliveira compôs o samba-enredo “Aquarela Brasileira”, homenagem à “Aquarela do Brasil” de Ary. Mal começado o desfile, chega a notícia da morte do compositor. Por dois ou três minutos, os componente­s cantaram o samba sem a bateria. Resultado: sete pontos perdidos em cronometra­gem e o Império em quarto lugar.

O livro não se limita a contar, tintim por tintim, a saga iniciada na casa de dona Eulália, carteira número um do Império. Revela lances curiosos vividos na avenida, quadra e barracões, inovações carnavales­cas, alegrias e crises, sem esquecer as brigas — ai, as brigas! E repassa, em breves perfis, a vida dos mais importante­s imperianos.

Alguns capítulos são dedicados a Silas de Oliveira, considerad­o —sem favor— o maior compositor de samba-enredo de todos os tempos.

Na narrativa dos desfiles, destacam-se dois campeonato­s. O de 1972 apresentou o enredo “Alô, alô, taí Carmen Miranda”, do carnavales­co Fernando Pinto, com um visual surpreende­nte e tropicalis­ta. Para encarnar a Pequena Notável, mulheres inesquecív­eis como ela: Leila Diniz, Marília Pêra, Vilma Vernon, Rosemary, Tânia Scher, Isabel Ribeiro, Míriam Pérsia.

Em 1982 Rosa Magalhães sugeriu mudar o título do enredo sobre a história das escolas de samba para “Bum Bum Paticumbum Prugurundu­m”, a onamatopei­a criada por Ismael Silva para descrever o ritmo surgido no Estácio. Beto Sem Braço e Aluísio Machado compraram a ideia e fizeram o samba antológico, fundamenta­l ao título.

Foi o último na galeria do Império. A escola está desde então sem vencer o Grupo Especial e há oito anos amarga a brincadeir­a desfilando no Grupo de Acesso. Ou, para reviver uma expressão que o cantor Roberto Ribeiro gostava de usar: “Segue o enterro”.

Até quando, meu Império?

SERRA, SERRINHA, SERRANO - O IMPÉRIO DO SAMBA

AUTORES Rachel Valença e Suetônio Valença EDITORA Record QUANTO R$ 69,90 (434 págs.) AVALIAÇÃO muito bom

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