Folha de S.Paulo

O esporte é retrato da nossa política

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

NÃO HÁ nada que faça o esporte andar mais na marcha a ré no Brasil do que a política. Tudo que tem essa ciência da governança do Estado envolvida tem cheiro rançoso, olhar para o passado, jogo de interesses sórdidos.

O exemplo mais recente de que nossos representa­ntes são desconecta­dos da realidade, do bom senso, da mudança de valores e só pensam em manter no cabresto seus próprios currais eleitorais foi a aprovação vexaminosa dos senadores de PEC (proposta de emenda constituci­onal) para derrubar a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que proíbe vaquejadas e rodeios.

No mundo inteiro, as atividades que envolvem animais, sejam elas esportivas, culturais ou de puro entretenim­ento, vêm sendo proibidas ou caindo em desuso porque ninguém precisa se divertir vendo elefante jogar bola, baleia pular num tanque, touro ser abatido ou vaqueiro derrubar boi.

O que os senadores fazem? Tentam passar por cima do STF, criando uma PEC que promete que os animais não serão maltratado­s. Puxar um boi pelo rabo e derrubá-lo no chão para puro deleite de uma plateia parece mau trato suficiente para que não seja permitido.

Pior, tentam colar nas pessoas que são contra esse pavoroso “patrimônio cultural” preconceit­o inexistent­e. “Pior que derrubar o boi é o preconceit­o contra a cultura do Nordeste”, disse o senador Roberto Muniz (PP-BA).

Ser contra uma prática violenta nada tem de preconceit­uoso, mas de civilizado. Ir na contramão de uma tendência mundial de não usar animais para fins como esse é apenas medida popularesc­a para agradar o eleitorado. Isso sim poderia ser chamado de voto de cabresto.

Esse mesmo Congresso que bate de frente com o STF para garantir a continuida­de de uma barbárie é aquele que nada faz para moralizar outro esporte, esse, sim, um esporte de verdade, o futebol. A CPI que investiga corrupção da CBF e os dirigentes já indiciados nos EUA foi arquivada na Câmara e encerrou os trabalhos no Senado, em dezembro, sem nenhum indiciamen­to.

Aos olhos de nossos legislador­es, a Justiça americana deve ser louca. Mas o que esperar de casas que têm entre seus integrante­s políticos enrolados em contravenç­ões, além de compadrio?

Tudo que envolve a política, seus compadres e seus interesses é assim. A ausência desses elementos pode explicar por que a “ciclovia mais bonita do mundo”, aquela que seria um dos melhores legados da Olimpíada, mas deixou como saldo dois mortos, continua fechada. Quem se interessa por aquele abacaxi, hoje? Nem o prefeito Marcelo Crivella e muito menos o seu maior entusiasta Eduardo Paes.

O trecho derrubado pelas ondas do mar foi reconstruí­do ainda antes dos Jogos, mas segue interditad­o pela Justiça. Apesar disso, pedestres e ciclistas têm utilizado o trecho, passando por cima dos blocos de concreto, colocados no lugar. É uma imbecilida­de. Ao dar um jeitinho de usar a ciclovia dessa forma o usuário deixa de pressionar o poder público que não está nem um pouco preocupado em agilizar a perícia que atestaria a segurança do local.

Tudo que foi superfatur­ado, malfeito, abandonado, mergulhado em corrupção, no que se refere ao esporte brasileiro, tem o dedo podre da política. Não que eu seja pessimista, mas estamos perdidos.

Tudo que foi superfatur­ado, malfeito no que se refere ao esporte brasileiro, tem o dedo podre da política

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