Folha de S.Paulo

Exclusivid­ade racial

-

RIO DE JANEIRO - Correu o país a história da jovem Thauane, branca, 19 anos, hostilizad­a num ônibus em Curitiba por mulheres negras por estar, segundo estas, se apropriand­o da cultura afro ao usar um turbante. Thauane alegou que sofria de leucemia, e o turbante escondia sua perda de cabelo causada pela quimiotera­pia. Espero que, depois de recuperada, Thauane continue a usar turbante —não como um estandarte de guerra, mas por achálo um bonito acessório.

Bem, se até turbantes já foram convertido­s em símbolos de identidade racial, vamos ter de rever tudo. No futebol, por exemplo, fica proibido aos jogadores brancos fazer gol de bicicleta, como Leonidas da Silva, cobrar falta com folha seca, como Didi, e comemorar um gol com o soco no ar, como Pelé —são exclusivid­ades da cultura negra. Na culinária, os restaurant­es não poderão mais servir feijoada, moqueca, farofa, angu, quiabo, jiló, cocada, quin- dim e rapadura a clientes brancos.

Lindas palavras de origem africana e há séculos incorporad­as à língua brasileira, como cafuné, bunda, camundongo, xodó, zoeira, macumba, moleque, banguela, babaca, catimba, fuzuê e gandaia terão de ser abolidas do vocabulári­o branco. Quanto aos músicos brancos, mantenham distância do berimbau, da cuíca e do ganzá.

Aliás, a música popular será um problema. Ritmos de origem negra como o samba, o jazz, o blues, a salsa, o rap, o funk e dezenas de outros não poderão mais ser tocados em shows frequentad­os por brancos. E o rock, como ficará? Inventado lá atrás por negros pioneiros como Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Chuck Berry, Bo Diddley e Little Richard, quem se apropriou e enriqueceu com ele foram Elvis Presley, John Lennon, Mick Jagger, David Bowie, Eric Clapton e milhares mais.

Acho que os negros americanos deveriam pedir o rock de volta. AÉCIO NEVES

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil