Folha de S.Paulo

Um vasto léxico e suas nuances

- GREGORIO DUVIVIER

TENDO VERSADO sobre o caráter metafórico da palavra caralho, gostaria de me dedicar aos termos que designam, no português, o órgão sexual masculino.

“No caso de me pedirem pra falar putaria na cama, qual seria o melhor termo pra se usar?” me pergunta o amigo gringo, perdido. “Pinto? Pica? Pênis?”. “Não! Pênis, jamais!”, me apronto em responder. Todo brasileiro sabe que pênis pertence à classe das palavras horrendas, assim como “déficit” e “esposo”. Pênis remete aos consultóri­os médicos e aos noticiário­s policiais. Nunca, em hipótese alguma, use a palavra pênis. Sobretudo se for pra fazer trocadilho com o “penne”. Muito se fala do famigerado “pavê ou pacomê”, mas a associação penne/pênis não deixa a desejar ao primo pavê/pacomê em termos de 1. frequência e 2. falta de graça.

“Ah, e pinto? Posso usar pinto?” pergunta o amigo neófito. Rapaz, o pinto é um problema. O pinto tem uma ótima entrada em São Paulo mas uma péssima recepção no Rio, onde remeterá, infalivelm­ente, ao pau infantil. Um pinto na cama carioca causará uma crise de riso incontorná­vel. Já pica é sempre uma porrada. Usa-se pica como quem usa um tacape. Piroca idem —talvez pior. São palavras que não se referem ao membro nem como parte do corpo nem como objeto de desejo do corpo alheio mas como arma branca.

Recomendo ao amigo o uso —em qualquer situação que não a médica— da palavra “pau”. Dificilmen­te alguém se chocará, numa mesa, com um pau bem colocado, ao mesmo tempo que um pau bem adjetivado será muito bem aceito na cama. O pau é uma espécie de vestidinho preto. Vai com tudo. É pau —desculpem o trocadilho— pra toda obra.

Talvez, por machismo linguístic­o, não haja palavra que vá passar desaperceb­ida quando o assunto é o órgão sexual feminino. A palavra “vagina”: é prima do pênis; tem cheiro de álcool-gel. Soa mal, lembrando um cruzamento das palavras “faxina” e “varginha”. Seus equivalent­es mais ingênuos são infantis demais. Enquanto a palavra “perereca” remete às partes impúberes, a palavra “xoxota” tem conotação cômica, talvez pela repetição, raríssima no português, da letra x. Na cama pode causar gargalhada. Já a palavra buceta pode dar um susto nas almas mais pudicas. Tive dificuldad­e até em escrevê-la aqui. Talvez seja o caso de desmistifi­cála. Ou de inventar uma nova. Em Portugal há a cona. Talvez seja o caso de importá-la. Enfim, precisamos falar sobre isso.

‘Pinto? Pica? Pênis?’ ‘Pênis, jamais!’ Pênis é da classe das palavras horrendas, como ‘déficit’ e ‘esposo’

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Catarina Bessell

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