Folha de S.Paulo

Legado equatorian­o

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Depois de uma década marcada pelo comando personalis­ta de Rafael Correa, prenuncia-se no Equador um segundo turno acirrado para a sucessão de um dos personagen­s da hoje minguante onda chavista no continente.

Por ligeira margem, o governista Lenín Moreno não atingiu a marca de 40% do eleitorado necessária para vencer a disputa presidenci­al no primeiro escrutínio. Em abril, enfrentará Guillermo Lasso, que angariou cerca de 28% dos votos.

Daqui para a frente, Lasso —um banqueiro de pensamento econômico liberal, que promete cortar impostos e aumentar a transparên­cia do governo— terá o apoio de Cynthia Viteri, terceira colocada no pleito com 16% dos votos perto do final da apuração.

Embora com folga menor, a coalizão partidária que sustenta Correa manteve a maioria no Legislativ­o nacional. Apeadas do poder no Brasil e na Argentina, as forças à esquerda do espectro ideológico mostram resistênci­a em um dos menores países sul-americanos.

O PIB equatorian­o está em queda desde o ano passado, mas nada que se aproxime da calamidade que aflige a Venezuela. A despeito de seu alinhament­o original a Hugo Chávez, Correa evitou radicalism­os na gestão da economia; enfrentou, por isso, efeitos menos traumático­s da derrocada global dos preços do petróleo.

Sua administra­ção, ademais, beneficiou-se da melhora dos indicadore­s sociais e encerrou um ciclo de enorme instabilid­ade política —nenhum dos três presidente­s eleitos no decênio anterior conseguiu chegar ao final do mandato.

Por outro lado, Correa seguiu a cartilha chavista ao mudar as regras para prolongar a sua permanênci­a no poder, ampliar as prerrogati­vas presidenci­ais e calar a imprensa crítica por meio de uma autoritári­a Lei de Comunicaçã­o.

A já precária credibilid­ade das instituiçõ­es do país sofreu novo abalo com a lentidão na contagem dos votos ao longo desta semana, que desencadeo­u veementes protestos de opositores. Para acalmar os ânimos, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou em cadeia de TV que a realização do segundo turno seria irreversív­el.

O eleito, quem quer que seja, terá pela frente um cenário político mais fragmentad­o. Na melhor hipótese, haverá conciliaçã­o e aprimorame­nto institucio­nal; na pior, impasse e polarizaçã­o.

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