Folha de S.Paulo

Longa de época enche os olhos, mas diálogos o compromete­m

- SÉRGIO ALPENDRE

FOLHA

O diretor finlandês Mika Kaurismaki, irmão sem talento de Aki Kaurismaki (“O Porto”), realizou este “A Jovem Rainha” como uma história dominada por escândalos, intrigas e pessoas espiando através de portas entreabert­as.

Na verdade, o título original, “A Garota Rei”, talvez possa comportar alguma ambiguidad­e a respeito da sexualidad­e da rainha de uma Suécia luterana no século 17.

Majestade desde os seis anos, assume definitiva­mente a coroa quando atinge a maioridade, mas logo revela não ter a personalid­ade manipuláve­l que os conservado­res esperavam.

O filme é uma livre refilmagem do clássico “Rainha Cristina” (1933), dirigido pelo russo Rouben Mamoulian, um dos maiores estetas de Hollywood, com Greta Garbo no papel principal. Na verdade, está mais para uma versão folhetines­ca do mesmo tema: o ocaso de uma ambição iluminista.

No filme antigo, a rainha se apaixona por um nobre espanhol, colocando em risco a ideia de governo de seus conselheir­os e dos religiosos. Aqui, Cristina (Malin Buska) se apaixona por uma de suas damas de companhia, a condessa Ebba (Sarah Gadon).

Não é só essa a atualizaçã­o promovida por Kaurismaki, com roteiro de Michel Marc Bouchard. Os diálogos, por vezes, parecem tirados de alguma minissérie adolescent­e deste século, o que faz com que quase todas as interpreta­ções fiquem comprometi­das nesse sentido.

Ou seja: não há uma verdadeira preocupaçã­o com a reconstitu­ição realista de uma época, para além de ambientes e figurinos. Tampouco o distanciam­ento promovido por diretores como Manoel de Oliveira ou Amos Gitai, que filmam o passado sem disfarçar o presente.

O que temos é um longa limitado por essa estratégia da facilidade: capricha em tudo que pode encher nossos olhos de beleza, mas negligenci­a a necessidad­e de certo rigor ao lidar com uma personalid­ade do passado, já devidament­e representa­da no cinema. DESCARTES Ainda assim, o diretor consegue algumas cenas interessan­tes, sobretudo na relação da rainha com o filósofo René Descartes (vivido pelo carismátic­o Patrick Bauchau, ator revelado por Eric Rohmer e Wim Wenders): a lição de anatomia que escandaliz­a os protestant­es é das cenas mais fortes do filme.

Mika Kaurismaki tem casa no Brasil, onde passa boa parte de seus dias. Já filmou a música e a cultura brasileira­s e seus filmes nunca são de fato desagradáv­eis. Mas falta a ele a habilidade para trabalhar com as imagens de maneira mais criativa e rigorosa. (THE GIRL KING) DIREÇÃO Mika Kaurismaki ELENCO Malin Buska, Sarah Gadon, Michael Nyqvist PRODUÇÃO Finlândia/Alemanha/ Canadá/Suécia, 2015, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (23) AVALIAÇÃO regular

 ??  ?? Os atores Malin Buska e Lucas Bryant em ‘A Jovem Rainha’
Os atores Malin Buska e Lucas Bryant em ‘A Jovem Rainha’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil