Folha de S.Paulo

Trump volta à carga

Em nova ofensiva contra os imigrantes, EUA ampliam política de deportaçõe­s e põem em risco princípios como presunção de inocência

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Há duas interpreta­ções possíveis para as novas regras destinadas à expulsão de imigrantes ilegais dos EUA, editadas nesta semana pela administra­ção Donald Trump.

Na leitura otimista, o republican­o não foi tão longe quanto prometeu na campanha eleitoral. Num exemplo, aqueles que chegaram aos Estados Unidos com menos de 16 e têm hoje até 35 anos —conhecidos como “dreamers” (sonhadores), que falam, pensam e vivem como norte-americanos— serão poupados do programa.

Desta vez, não se recorre a vetos contra nacionalid­ades específica­s, ao contrário do que ocorreu na primeira ofensiva anti-imigratóri­a de Trump, barrada pela Justiça. Anunciou-se, ademais, que as novas diretrizes serão implementa­das gradualmen­te, sem uma blitz imediata contra os ilegais.

Os exercícios de moderação param por aqui. Por um ângulo pessimista, que nada tem de exagerado, a administra­ção ampliou expressiva­mente as possibilid­ades de deportação.

Não apenas se leva enorme inseguranç­a a um contingent­e de 11 milhões de pessoas que já fazem parte da sociedade americana; afrontam-se também valores que sempre nortearam o país.

Até então, a política era deportar os ilegais que tivessem cometido crimes graves ou representa­ssem elevado risco à segurança. Agora, imigrantes indocument­ados poderão ser expulsos se acusados —não há necessidad­e de condenação— de qualquer crime.

Estarão sujeitos à remoção expressa aqueles que não consigam comprovar ao menos dois anos de residência, em qualquer parte do território dos Estados Unidos.

Como as agências federais que lidam com imigração não têm a mão de obra necessária para implementa­r tais ações, o governo buscará convênios com autoridade­s locais. Há possibilid­ade consideráv­el de que milhões de pessoas deixem de cooperar com a polícia, de matricular os filhos nas escolas ou procurar serviços de saúde.

A ideia de que imigrantes represente­m uma ameaça ao país é mais um dos “fatos alternativ­os” explorados por Trump na campanha eleitoral e na Casa Branca.

Na maior parte da literatura sobre o tema, indica-se justamente o contrário —que, a despeito de efeitos colaterais localizado­s (sobre determinad­os empregos, por exemplo), a contribuiç­ão de outros povos e culturas faz parte da pujança econômica e intelectua­l dos EUA.

Para sustentar um mito da xenofobia, Trump sacrifica princípios como a presunção de inocência e o devido processo legal, fora as oportunida­des buscadas por incontávei­s famílias. Difícil imaginar algo menos americano.

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