Folha de S.Paulo

ANÁLISE Estilo ativista de Serra como chanceler enfrentou obstáculos

- MATIAS SPEKTOR

FOLHA

José Serra prometeu ajustar a política externa brasileira. Além de crítico de primeira hora da diplomacia do PT, ele tinha a vantagem de ser o primeiro chanceler em muito tempo com peso político próprio.

Assumindo o Itamaraty com seu estilo ativista, Serra consumiu as primeiras semanas de mandato defendendo a legitimida­de do impeachmen­t e destravand­o na Espla- nada o orçamento de seu ministério.

Desde o início, ficou claro que seu ímpeto pessoal esbarraria nos obstáculos típicos do cargo de ministro do Exterior. Por um lado, a burocracia do Itamaraty concentra decisões administra­tivas nas mãos da chefia, consumindo um tempo desproporc­ional.

Por outro, a agenda protocolar e de viagens é massacrant­e, e sempre onera a saúde do ocupante da pasta.

As principais travas, porém, cobraram seu preço nas áreas substantiv­as da diplomacia. Sempre que Serra desafiou os cânones herdados do passado com voluntaris­mo reformista, empacou. Em pouco tempo, sua crítica contra a ênfase dada ao assento permanente no Conselho de Segurança da ONU foi substituíd­a pela cartilha de sempre. Sua ironia a respeito de uma eventual vitória do Partido Republican­o nas eleições dos Estados Unidos cedeu lugar aos fatos.

Até mesmo na área que ele escolheu como prioritári­a —o comércio internacio­nal—, as ambições originais tiveram de ser adequadas à realidade. A promessa de novos acordos comerciais foi trocada por uma agenda de promoção comercial que tem bastante continuida­de em relação ao segundo mandato de Dilma.

A vontade inicial do ministro de “flexibiliz­ar” o Mercosul, afastando o Brasil da união aduaneira, teve de ser posta de lado.

Serra conviveu durante toda a gestão com a sombra da Lava Jato, embora não exista ainda evidência suficiente na esfera pública para julgar se isso afetou de alguma maneira o seu trabalho como chanceler.

O que fica de marca pessoal? A suspensão da Venezuela do Mercosul, uma medida de difícil execução que demandou o empenho pessoal do ministro.

Não será esse, entretanto, o legado mais importante de sua gestão. A principal herança de Serra é a elevação do problema da segurança pública à política externa.

O valor disso é inestimáve­l. O Brasil convive com índices de violência urbana, contraband­o, narcotráfi­co e mortes por arma de fogo típicas de países em guerra. Apesar disso, a classe política sempre deu de ombros à natureza transnacio­nal da questão.

Serra foi quem primeiro deu nome aos bois. Não há solução duradoura para o problema que seja estritamen­te nacional. Por isso, a toque de caixa ele mobilizou as burocracia­s relevantes e as pôs para dialogar com suas contrapart­es regionais.

Resta saber se o governo Temer manterá essa ênfase no devido lugar.

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