Folha de S.Paulo

Programa dá ajuda psicológic­a a vítimas de abusos do EI no Iraque

Universida­de alemã treina profission­ais para oferecer tratamento

- DAVID RISING

EM DOHUK (IRAQUE)

Faz menos de duas semanas que Perwin Ali Baku escapou da facção terrorista Estado Islâmico (EI), após mais de dois anos de cativeiro, quando foi comprada e vendida entre os combatente­s, levada do Iraque à Síria e trazida de volta.

Quando uma porta bate, a jovem da minoria yazidi de 23 anos lembra-se de seus captores, que mantinham trancada sua filha de 3 anos, capturada junto com ela, para atormentá-la. Quando ouve uma voz alta, encolhe-se por pensar neles gritando ordens.

“Não me sinto bem”, disse Perwin, sentada em um colchão na pequena cabana de seu sogro, coberta com lona, em um campo de refugiados no norte do Iraque. “Ainda não consigo dormir.”

Perwin quer um tratamento, e espera encontrá-lo em um novo instituto de traumas psicológic­os que está sendo criado na Universida­de de Dohuk, o primeiro da região.

É a próxima fase de um projeto ambicioso financiado pelo Estado alemão de Baden-Württember­g (sul), que levou 1.100 mulheres que escaparam do cativeiro, principalm­ente yazidis, para receber tratamento psicológic­o na Alemanha.

O diretor-médico do projeto, o psicólogo alemão Jan Kizilhan, também é a força propulsora por trás do novo instituto, que abrirá no fim do mês. O programa vai treinar profission­ais locais de saúde mental para tratar pessoas como Perwin e outras vítimas dos extremista­s.

Cerca de 1.900 yazidis escaparam da milícia terrorista, mas mais de 3.000 outras mulheres e crianças ainda estariam em cativeiro, forçadas à escravidão sexual.

Enquanto continua a luta entre as forças iraquianas e os militantes do EI em Mossul, a apenas 75 km de Dohuk, o número que consegue se libertar aumenta dia a dia.

Neste momento há apenas 26 psiquiatra­s em atuação na região semiautôno­ma curda no norte do Iraque, com uma população de 5,5 milhões de pessoas e mais de 1,5 milhão de refugiados e deslocados internos. Nenhum dos médicos é especializ­ado em traumas psicológic­os.

Dos milhares capturados pelo EI, os meninos foram obrigados a lutar pelos extremista­s, os homens foram executados se não se convertess­em ao islã, e as mulheres e meninas foram vendidas como escravas.

Aqueles que tiveram a sorte de escapar conservam profundas cicatrizes psicológic­as. “Estamos falando sobre trauma em geral, sobre trauma coletivo e sobre genocídio”, disse Kizilhan, que tem origem yazidi e emigrou para a Alemanha aos 6 anos. “Esse é o motivo que temos para ajudá-los, se pudermos. É nosso dever humano.”

O novo Instituto de Psicoterap­ia e Psicotraum­atologia na Universida­de de Dohuk, em cooperação com a Universida­de de Tübingen, na Alemanha, treinará 30 novos profission­ais em três anos.

A meta é estender o programa a outras universida­des regionais, para que daqui a dez anos possa haver mais de mil psicoterap­eutas na região.

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