Folha de S.Paulo

Morte a crédito no Brasil

- VINICIUS TORRES FREIRE

AS FAMÍLIAS pagam suas dívidas. Mas o peso dos juros da dívida continua a crescer. O excesso de endividame­nto é um dos motivos principais da pestilênci­a especial desta recessão.

A peste financeira não está passando.

Desde outubro, o Banco Central reduz a taxa básica de juros, primeiro a conta-gotas, depois, às colheradas. Mas a Selic baixa, enfim. Desde outubro, cai o custo do dinheiro para os bancos, o custo de tomar dinheiro a fim de reempresta­r.

Desde outubro, as taxas de juros dos empréstimo­s mais importante­s para as famílias continuam a crescer, porém.

É o que soubemos nesta quintafeir­a (23), pelo balanço do mercado de crédito de janeiro, dados do BC.

O custo do dinheiro para os bancos não depende apenas do custo de captação, claro. O custo mais importante e variável vem de calotes e atrasos. A inadimplên­cia total caiu desde outubro, porém.

Não é possível estimar custos de bancos a partir das contas agregadas (somadas, do total) publicadas pelo Banco Central. É verdade.

Mas é verdade também que, em linhas gerais, os bancos estão na contramão do pequeno afrouxamen­to monetário promovido pelo Banco Central, decerto recente. Na contramão, atropelam a clientela, que morre a crédito. Em suma, o programa de governo e BC de atacar os problemas do crédito é para ontem.

Pouco antes do começo da recessão, no início de 2014, o peso do juro nos pagamentos de dívidas das famílias era de 40%. Em dezembro, estava em mais de 48%, subindo. Pelas contas do BC, as famílias gastavam 21,65% da renda total com pagamentos da dívida. Cerca de 10,5% da renda vão para a conta de juros.

O peso dos juros no serviço da dívida (pagamento) das famílias em 2016 foi maior que em 2015, ano quase tão horrível quanto 2016. E daí?

Caso se possam levar ao pé da letra, pelo menos ao pezinho, os números do Banco Central, contas indicam que esse peso extra de juros equivale a pelo menos R$ 21 bilhões.

Parece pouco? Assim como parecem pouco os R$ 30 bilhões que os trabalhado­res poderão sacar de suas contas inativas no FGTS, na estimativa oficial.

Tudo somado, equivalem a 2,4% da “massa dos rendimento­s do trabalho”, grosso modo o total dos salários pagos em um ano, no caso o de 2016. Por exemplo, estimase que o total dos salários cresça apenas 1% neste ano.

Economista­s preocupado­s com o longo prazo e reformas estruturai­s talvez torçam o nariz para o cálculo desses remendos. O problema é que estamos com água pelo nariz.

A perspectiv­a otimista por enquanto é a de estagnação, de cresciment­o zero da renda (PIB) per capita em 2017. O risco de recaída ou permanênci­a na recessão não é pequeno.

Em nome de uma mínima pacificaçã­o social, econômica e política, não convém desprezar remendos racionais. Isto é, que não se recorra a mágicas e milagres.

Na desgraça ainda estamos. As concessões de crédito (empréstimo de dinheiro novo) ainda caem ao ritmo de 10% ao ano (comparadas as concessões do trimestre encerrado em janeiro com o mesmo trimestre do ano passado).

Há despiora. Mas lenta. No caso do crédito para pessoas físicas, o zero a zero está próximo. Para empresas, está péssimo.

É preciso falar sobre juros. Já.

Famílias pagam dívidas, mas peso dos juros no orçamento ainda cresce; taxas nos bancos sobem

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