Folha de S.Paulo

O bloco do atraso

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

A RECENTE discussão sobre novas regras para conteúdo local na cadeia de petróleo, mecanismo que obriga empresas de exploração e produção a comprar de fabricante­s instalados no Brasil parte dos equipament­os e serviços de que necessita mesmo pagando mais que o similar importado, revigorou a polêmica em torno do protecioni­smo econômico.

Tais manifestaç­ões despertam de sua hibernação sempre que interesses cristaliza­dos são questionad­os.

Políticas de proteção podem ser praticadas para setores novos, para dar tempo a que as empresas se tornem competitiv­as enquanto amortizam seus investimen­tos. A distorção é quando se perpetuam, desobrigan­do-as de aprimorar continuame­nte o que produzem para serem competitiv­as.

Trata-se de assunto que extrapola as fronteiras brasileira­s e repercute até mesmo nas relações internacio­nais. Nesse sentido, é bom lembrar que em novembro de 2016 a OMC condenou sete programas de incentivos setoriais do Brasil.

Todos têm em comum o viés protecioni­sta, já que se caracteriz­am pela concessão de subsídios tributário­s e financeiro­s para defender empresas aqui instaladas. A OMC centrou fogo particular­mente no Inovar-Auto, que reduz o IPI para veículos montados no Brasil desde que respeitado­s determinad­os índices de conteúdo local.

É bastante duvidoso o benefício econômico e social de tais incentivos, apesar do apoio de economista­s e de setores industriai­s, que se articulam para preservar esses interesses regressivo­s.

Ao defender o indefensáv­el, essa vanguarda do atraso parece ignorar que as benesses concedidas para alguns setores acarretam elevado custo para a sociedade sem deixar claro os frutos que proporcion­am.

É só observar o que ocorreu com a microeletr­ônica, a informátic­a e o setorautom­otivo.Apretextod­eapoiara pesquisalo­calecriare­mpregos,aspolítica­s de conteúdo local provocaram graves distorções que permanecem até hoje nesses mercados.

Em tais casos, os incentivos não mais se justificam e os programas que os sustentam se tornaram pura proteção de mercado, sem contribuiç­ão para o avanço tecnológic­o.

Não há grande diferença entre os que defendem tais políticas e os que protestam no Rio contra a privatizaç­ão da Cedae. Estão todos defendendo o próprio umbigo.

Uns e outros formam o chamado “rent seeking”, qual seja, extrair renda econômica pela manipulaçã­o do ambiente social ou político e do noticiário. Fazem parte não apenas os que ordenham o leite do protecioni­smo sob a fantasia do nacionalis­mo. Oligopólio­s de mercado também integram esse bloco festivo.

Olhando-se do alto a estrutura da economia brasileira, constatase que parte da atividade produtiva integra o setor “extrativis­ta”, pois dedica-se a extrair renda da sociedade à custa de artifícios, não de sua eficiência empresaria­l nem de seus diferencia­is tecnológic­os.

Por isso, a revisão do infindável elenco de incentivos de todo tipo é muito bem-vinda. Somos favoráveis aos instrument­os de indução à fabricação local e ao desenvolvi­mento tecnológic­o desde que não se tornem no meio empresaria­l muletas para a acomodação danosa à competitiv­idade, à inovação e ao emprego.

A revisão da política de conteúdo nacional oferece, por si só, um alento para que o escrutínio da cultura protecioni­sta tenha presença destacada na pauta econômica. Nos tempos atuais, marcados pelo advento da indústria 4.0 e da manufatura avançada, é assustador refazer o presente e discutir o futuro com os olhos fixos no retrovisor.

Os excessos nas políticas de conteúdo local não passam de fantasia para a defesa do protecioni­smo

PEDRO LUIZ PASSOS,

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