Folha de S.Paulo

Os criadores e a criatura

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SÃO PAULO - Pelos critérios de apoio legislativ­o e coerência partidária entre Congresso e Executivo, o governo Temer está entre os mais fortes da Nova República. O contraste com sua popularida­de rasteira e as constantes baixas no primeiro escalão não poderia ser maior.

Talvez a resposta da equação esteja no dispositiv­o do impeachmen­t, espécie de eleição indireta que substitui um governo politicame­nte falido por outro que na saída amealha dois terços do Congresso.

A deterioraç­ão econômica e a desconfian­ça dos cidadãos na política, sem as quais um presidente eleito dificilmen­te cai, levam mais tempo para dissipar-se. A gestão Itamar Franco, uma das mais reformista­s da história recente, viveu seu primeiro ano entre a frustração e a insignific­ância.

Itamar, entretanto, não enfrentava nada parecido com a Lava Jato. O triunfo da principal reforma que propôs, o Plano Real, estava imediatame­nte associado ao sucesso eleitoral dos sócios do governismo.

Com a alteração nas regras da aposentado­ria, o jogo é outro. Aprová-la no Congresso não eleva diretament­e as chances nas urnas dos consorciad­os a Temer. Na melhor hipótese, a reforma incide positivame­nte na retomada da economia, via melhora das expectativ­as, o que por sua vez valoriza o ativo eleitoral da situação.

O raciocínio parece sutil e arriscado demais para políticos acometidos pelo que economista­s chamam de “inconsistê­ncia temporal”, a incapacida­de de tomar decisões coerentes sobre o futuro menos próximo.

Resta o compromiss­o do grupo majoritári­o do Congresso com a criatura que pôs no Planalto, avaliado pelo custo de derrotá-la numa batalha crucial como a da Previdênci­a: uma dose extra de desordem política e a recaída no descrédito econômico.

Temer, portanto, ainda tem um bom argumento. Para seus apoiadores, é engolir uma reforma indigesta na Previdênci­a ou encarar o buraco negro da incerteza política. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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