Folha de S.Paulo

O stand-up de Cabral

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BRASÍLIA - Antes de vestir o uniforme de presidiári­o, Sérgio Cabral gostava de usar outras fantasias. Uma de suas preferidas era a de político incorruptí­vel, que se indignava com qualquer questionam­ento ético.

Bastava que um repórter tentasse abordar o assunto para Cabral subir nas tamancas. Ele alterava a voz, franzia o cenho e se dizia ofendido por ouvir uma simples pergunta.

O YouTube guarda um momento em que o ex-governador começava a encenar o número diante das câmeras. Foi há mais de duas décadas, nas eleições de 1996, quando ele disputou a Prefeitura do Rio pelo PSDB.

Em entrevista à TV Bandeirant­es, Cabral se irritou quando um repórter quis saber que setores da economia financiari­am sua campanha. “Não posso especifica­r, não é responsabi­lidade minha. Eu jamais conversei com empresário sobre dinheiro”, respondeu, enfatizand­o o “jamais”.

O jornalista perguntou então se ele seguia o exemplo do ex-presidente Collor, que também dizia desconhece­r seus patrocinad­ores.

“Não me compare com o Fernando Collor porque eu vou me sentir ofendido”, rebateu Cabral, em tom indignado. “Eu estou me sentindo ofendido por você. Essa comparação é absolutame­nte indelicada com a minha pessoa”, reclamou.

Ao longo dos anos, o entrevista­do foi aprimorand­o a performanc­e. Voltaria a encená-la em 2012, já governador do Rio e filiado ao PMDB. Numa solenidade, o repórter Cássio Bruno quis saber se ele temia a quebra de sigilo da empreiteir­a Delta.

“Por que eu temeria? Acho até um desrespeit­o da sua parte me perguntar isso”, reagiu Cabral. “Essas ilações são de uma irresponsa­bilidade completa. Um desrespeit­o completo com a minha pessoa”, reforçou, bufando e encerrando a entrevista.

Em outros tempos, as respostas indignadas expunham o peemedebis­ta como um político arrogante. Hoje as caras e bocas mostram algo mais: Cabral tinha talento para o ramo de stand-up comedy.

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