Folha de S.Paulo

Convite a Bolsonaro divide comunidade judaica no país

Após polêmica, palestra do deputado no clube Hebraica, em SP, é suspensa

- THAIS BILENKY

Presidenci­ável tem usado símbolos da religião; apoiador fala em censura, e crítico cita defesa da tortura

A repercussã­o do convite para uma palestra com o deputado Jair Bolsonaro (PSCRJ) agendada para março na sede paulistana do clube judaico Hebraica levou à suspensão do evento e a um debate intenso na comunidade.

De um lado, interessad­os e simpatizan­tes do deputado de extrema direita, provável candidato a presidente em 2018, indignaram-se com a decisão do clube de cancelar a palestra, que chamam de censura.

De outro, críticos de Bolsonaro articulara­m abaixo-assinado com mais de 3.000 nomes como o do ex-ministro Renato Janine Ribeiro. Nas redes sociais, afloraram protestos contra a iniciativa, vista como gesto de anuência aos valores defendidos pelo político.

Bolsonaro é alvo de processos de cassação na Câmara por acusações como ser homofóbico e favorável à tortura. Ele nega.

O evento na Hebraica foi idealizado pelo empresário Alexandre Nigri, 42, que, questionad­o pela Folha, preferiu não se manifestar.

Ele procurou o clube, que concordou com a parceria. Ao anunciar a palestra, porém, foi surpreendi­do com a polêmica. Dois dias depois, informou sua suspensão.

“Tomou essa proporção por tudo de ruim que representa o Bolsonaro. Um cara racista, misógino, antissemit­a pensar em ser recebido em um clube da comunidade é, por si só, terrível”, afirmou o empresário gaúcho Mauro Nadvorny, 59, que organizou o abaixo-assinado.

“Tem aqueles que se deixam seduzir pelo canto da sereia, que, neste caso, nos remete ao Holocausto. Quando Hitler começou, também teve apoio de judeus”, comparou.

A advogada Tamara Segal, 51, foi a público criticar a diretoria da Hebraica. “Ele é meu candidato. Isso é uma coisa. Porém, se tivesse sido feito o mesmo com Lula, Marina ou Tiririca, acharia descortês da mesma forma. O cancelamen­to, sim, denota partidaris­mo”, afirmou.

O presidente da Hebraica, Avi Gelberg, disse que o convite a Bolsonaro ainda não havia sido oficializa­do. “Após conversa com a equipe do deputado, definimos que seria mais adequado fazer um evento com todos os pré-candidatos, num modelo equilibrad­o e democrátic­o, como sempre agimos”, disse.

Procurado, Bolsonaro disse que não se manifestar­ia. ‘SHALOM’ Entre os apoiadores de Bolsonaro, dois argumentos são recorrente­s. O primeiro é sua suposta distância de esquemas de corrupção e o segundo, a defesa que ele exterioriz­a do Estado de Israel.

Especialme­nte depois de visitar o país, onde foi batizado, no rio Jordão, pelo pastor evangélico Everaldo, em maio de 2016, Bolsonaro passou a utilizar símbolos hebraicos.

Em discurso na Câmara pouco depois, mostrou-se emocionado. “Um futuro Vale do Silício teríamos aqui com a participaç­ão física, material e intelectua­l desse povo que orgulha a todos do mundo, o povo de Israel”, discursou. “Muito obrigado. Shalom”, encerrou, falando em hebraico a palavra paz.

Bolsonaro, que apareceu com quase 10% das intenções de voto em pesquisa Datafolha de dezembro, tem viajado o Brasil para palestrar.

Há duas semanas, passou por situação semelhante quando uma faculdade do Distrito Federal negou que tivesse marcado uma apresentaç­ão, apesar de o deputado ter confirmado a agenda.

Ao justificar o evento a co- nhecidos, Nigri disse que tinha interesse em conhecer suas ideias “sem o filtro da mídia”. Reconheceu que é uma “figura polêmica” e que seu “tom exacerbado” o ajuda a se promover, o que reforçaria a necessidad­e de ouvi-lo.

O autor do convite argumentou que a adesão à palestra evidenciou a curiosidad­e na comunidade judaica. Mil pessoas assinaram petição pela realização do evento.

Segundo a Folha apurou, chegou-se a cogitar tornar a palestra em debate com outros possíveis presidenci­áveis. A direção suspendeu antes de se chegar a consenso.

O rabino Michel Schlesinge­r defendeu a saída escolhida como forma de garantir “que fique claro o compromiss­o do clube com valores de liberdade e democracia”.

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11.mai.2016-Reprodução Pastor Everaldo batiza Bolsonaro (à dir.) no rio Jordão

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