Incômodo
Em seus anos de presidente do Banco Central, o hoje ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, valia-se de uma surrada analogia entre a política de juros e as torneiras de água quente e fria.
Leva tempo até que o corte das taxas do BC resulte em melhora da economia, pregava Meirelles a petistas ansiosos no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, assim como a água do banho demora a esquentar, em especial nos hotéis, enquanto abrimos a torneira da esquerda.
Sem a necessária paciência para testar aos poucos a temperatura, corre-se o risco de uma queimadura no chuveiro ou de aquecimento insustentável do consumo, que levará ao aumento dos preços.
Há o tempo da economia e o da política, e os governos tendem a ser bem-sucedidos quanto os dois se harmonizam, seja por sorte, competência ou oportunismo. Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato, abriu demais e antes da hora a água quente da queda dos juros.
Em consequência, buscou a reeleição em 2014 negando a óbvia aceleração inflacionária, que a obrigaria a despejar uma ducha gelada sobre o país no início de um segundo mandato que não concluiu.
Só agora, com o avanço dos ajustes conduzidos por Meirelles na Fazenda, o BC retoma a redução de suas taxas, que ainda se mantêm em patamares incompatíveis com o cenário global de juros no chão.
O importante, porém, é que a debilidade da economia e a inflação declinante permitem, em tese, a continuidade do ciclo de queda pelos próximos meses —mais precisa e convenientemente, até o início ou meados do próximo ano.
A se confirmarem tais expectativas, mais a aprovação de qualquer reforma da Previdência capaz de tornar viável o teto finalmente estabelecido para os gastos públicos, a eleição presidencial de 2018 será disputada em circunstâncias muito mais favoráveis que a de quatro anos antes.
Guardadas todas as proporções, o sonho governista remete ao Plano Real de Itamar Franco e FHC, lançado no ano eleitoral de 1994, quando a superação da crise da dívida externa e da hiperinflação deixou em segundo plano os escândalos de corrupção e o descrédito dos políticos.
Nem está no horizonte uma euforia como a da criação da nova moeda, nem o caso dos anões do Orçamento da época se compara ao que se desvenda atualmente na Petrobras. Ainda assim, o cálculo não é desprovido de lógica.
Em tudo funcionando dessa maneira, restará de todo modo um incômodo que independe de preferências partidárias: as transformações econômicas mais importantes desde a restauração da democracia brasileira terão sido promovidas por governos que sucederam processos de impeachment, por presidentes que não foram eleitos para tal.